Há precisamente uma semana, Joe Berardo foi ouvido na Comissão Parlamentar de Inquérito à Caixa Geral de Depósitos (CGD) sobre dívidas que contraiu junto desta instituição bancária, através de uma IPSS e de uma sociedade comercial a ele ligadas – a Fundação José Berardo e a holding Metalgest.
As declarações que então prestou foram de tal forma grotescas e indecorosas e feitas com tal desfaçatez que chocaram a maioria dos cidadãos que o ouviu e, supostamente, o primeiro-ministro, que fez questão de o dizer publicamente, na passada segunda-feira, num debate na Assembleia da República.
E a falta de decoro e o desrespeito das respostas do inquirido são tanto mais censuráveis quanto é certo que o mesmo foi agraciado pelo Estado português com o grau de comendador da Ordem do Infante D. Henrique (1985) e com o grande colar da mesma ordem (2004) e, pelo Estado francês, com o grau de cavaleiro da Ordem Nacional da Legião de Honra (2005).
Porém, tanto ou mais do que o desplante de Joe Berardo, chocou-me particularmente a indignação de António Costa com a prestação do dito personagem e o espanto que demonstrou por a CGD haver aceite, como garantia dos avultadíssimos empréstimos que lhe fez, títulos da Associação Colecção Berardo que detém as obras de arte expostas no museu instalado no Centro Cultural de Belém, em Lisboa, e não as próprias obras de arte que compõem a colecção.
É que o primeiro-ministro, que integrou os Governos presididos por José Sócrates, não pode ignorar que Joe Berardo, em 2007, foi utilizado pelo seu chefe (e companhia…) para controlar politicamente o sistema financeiro, designadamente para tomar de “assalto” o BCP, através de empréstimos da CGD de centenas de milhões de euros para aquisição de acções desse banco privado, garantidos apenas pelas próprias acções adquiridas que, em poucos anos, perderam praticamente a totalidade do seu valor!...
Para esse efeito, o governo rosa contou com a preciosa ajuda dos amigalhaços Armando Vara, ex-Secretário de Estado da Administração Interna no governo de Guterres – de onde saiu por causa do escândalo da Fundação para a Prevenção e Segurança –, nomeado administrador do banco público e Carlos Santos Ferreira, nomeado presidente da mesma CGD pelo ministro das Finanças, Teixeira dos Santos.
Evidentemente que Berardo, com a chico-espertice que lhe é conhecida, não hesitou em aproveitar a oportunidade para dar uma golpada de mais de trezentos milhões de euros na CGD – se a estes juntarmos o valor dos empréstimos que lhe foram concedidos pelo BCP e pelo BES (Novo Banco), os débitos rondam os mil milhões de euros! –, que o mesmo é dizer no Estado e nos contribuintes, considerando a fragilidade das garantias que deu e as artimanhas que usou para colocar as obras de arte da dita colecção a salvo de eventuais penhoras. Afinal, veio à superfície a falta de carácter, de princípios e de moral de um homem que suscita as maiores reservas e que não teve pejo em afirmar que nada deve, que não tem nada em seu nome e que a culpa foi exclusivamente de quem gere os bancos que lhe emprestaram o dinheiro…
Quer dizer: o bobo que o governo contratou para distrair o povo e dominar completamente os cordelinhos do poder, acabou por dar um golpe de mestre na CGD (e também nos dois outros citados bancos), blindando o seu património pessoal, especialmente os quadros que, em 2006, a leiloeira internacional Christie’s avaliou em 316 milhões de euros.
E, não contente com isso, não se coibiu de se rir do povo e dos seus representantes, com a distinta lata dos melhores comediantes e bufões do nosso tempo.
Como membro que foi da corte socrática, o choque e o lamento de António Costa soam a hipocrisia: como muitos outros que integram o seu governo, foi conivente com o projecto de poder que forjou o bobo que, alarve e impunemente, se ri do Estado e dos governados. E por isso terá de prestar contas colectivas, sob pena de o regime cair de ridículo. E com ele a democracia e a justiça.
Autor: António Brochado Pedras
O bobo que ri da corte e do povo
DM
17 maio 2019