Aquilo que as televisões mostram do vulcão de La Palma é o belo-horrível; belo para as fotografias, as visitas turísticas; o interesse de tanta gente faz-me pensar como, em cada tragédia, existe sempre alguém que a acha bela; horrível porque semeia a desgraça individual e social; as lavas deixam na sua fúria um rasto de lágrimas e um sentimento de impotência social e científica. O homem sente-se pequeno e também amesquinhado perante a força que dimana do interior da terra, onde a cratera faz de chaminé; o mesmo povo sente e sabe que não há maneira para a deter. Num ápice as lavas, correndo como rios em fogo, destroem a labuta e canseiras e sonhos de anos. As lágrimas dos que tudo perderam devem chegar aos corações de todos nós, não como um lamento, mas como um apelo à solidariedade, desta vez alargada ao mundo, uma vez que o fenómeno não pertence a um país; aquela onda de solidariedade que tantas vezes tem acudido às vítimas de catástrofes naturais. La Palma não pertence à Espanha, pertence à humanidade. A fraternidade que é o cimento colorido da coexistência entre humanos, habitem eles nos polos ou noutras zonas do globo, não pode ser apenas tema de conferências. O que lhes aconteceu a eles, aos pobres canarinos, pode muito bem acontecer em qualquer parte do globo. Por isso, o sofrimento deles deve ser o nosso sofrimento, porque acudir a um sofrimento é matar um desespero. Houve tempos em que uma coisa destas era considerada zanga dos deuses. Quando não souberam explicar os fenómenos da natureza, criaram as divindades a quem outorgam poderes sobrenaturais. O politeísmo é, pois, filho da ignorância; houve deuses do fogo, das searas, da guerra, do amor, do sol e lua. A eles apelavam em momentos de aflição. E ergueram-lhe altares e e jogos para os celebrar. Ninguém diria, por exemplo, aos adoradores do Sol, que ele não era o deus da vida, quando, na verdade, não passa de uma bola de gás incandescente: nasceu como estrela, vive como estrela e há de morrer como morrem todas as estrelas e, com a sua extinção, a vida na Terra pode tornar-se impossível. Depois vieram os castigos divinos como justificação e rezava-se para aplacar a sua ira. Há muito que sabemos que um vulcão não passa de uma chaminé que deita para o exterior a pressão da combustão interna. O Cumbre Vieja na ilha La Palma, das ilhas Canárias, não é mais do que o Vesúvio, o Etna em Itália ou o Peak, na Califórnia. Quem se não lembra do vulcão dos Capelinhos? Pois, como estes, outros existem ativos no globo. Não há aqui nada de transcendental ou misterioso que seja preciso aplacar, sacrificando virgens. O fogo existe no centro da Terra; disso escreveu, com bastantes pormenores, Júlio Verne, em Viagem ao Centro da Terra. Não se trata, pois, nem de vingança dos deuses, nem castigos divinos. É um facto natural como a chuva diluviana, a fúria do furacão, ou o agigantar das águas do mar. Mostra-nos, isso sim, que a sua força é incontrolável e faz da ciência uma fraca sabedoria. Mas, ao mesmo tempo, lança um desafio a essa mesma ciência para que se não deixe ficar nos atuais conhecimentos da vulcanologia e avance no sentido de os compreender para os “domesticar”. Assim fizemos de um lobo um cão ou de um lince um gato. Se queres conhecer, tens de conviver. Parece-me que a vulcanologia está nos primórdios do conhecimento: analisa os sintomas, mede-lhe a intensidade dos abalos sísmicos e faz deles uma previsão da atividade vulcânica. Mas, se isso é muito, e certamente será, na verdade é curto. Teremos de saber, qual é a causa da doença se a quisermos curar. O vulcão do Cumbre Vieja, é o fenómeno natural que conhecemos, tanto pela sua beleza espetacular que oferece à vista, como pelos seus horríveis efeitos que afligem a alma. Há que ir mais longe e mais fundo. É preciso que a ciência resolva o que o empirismo observa.
Autor: Paulo Fafe