Não é manifestamente exagerado o presságio de um óbito do partido político em que militei durante cerca de vinte anos e do qual já me desfiliei há quase outros tantos. Mas o melhor é explicar a razão deste meu pressentimento.
Num momento em que os bons resultados das eleições autárquicas auguravam para o PSD e o CDS um novo e próximo ciclo político a abordar em desejada coligação pré-eleitoral, como aconteceu no município de Lisboa e em tantas outras importantes autarquias portuguesas, e posicionavam os respectivos líderes em vantajosa posição para as eleições internas a disputar no final deste ano, eis que o surpreendente chumbo do Orçamento de Estado para 2022 e a anunciada dissolução da Assembleia da República, com a consequente marcação de eleições legislativas antecipadas, vieram tornar possível o sonho do regresso ao poder daqueles dois partidos, ao fim de seis anos de uma árdua e penosa travessia do deserto, tanto mais difícil de suportar quanto é certo haver começado depois de uma vitória eleitoral.
Nestas circunstâncias, percebe-se que tanto Rui Rio como Francisco Rodrigues dos Santos, cujos mandatos só terminam em Janeiro de 2022, tenham ficado obcecados pela ideia de suspender ou adiar as eleições internas dos seus partidos para depois das eleições legislativas, por forma a poderem apresentar-se a estas últimas como candidatos a primeiro-ministro e a vice primeiro-ministro, a organizarem as listas de candidatos a deputados e o correspondente programa eleitoral, sem a álea de uma disputa interna com adversários de peso. E percebe-se ainda que, na ânsia de justificar esse seu interesse pessoal, tenham invocado o interesse partidário e nacional de preparar serena e atempadamente o processo das eleições legislativas, longe das disputas partidárias internas, tentando obter, para esse efeito, o aval dos Conselhos Nacionais, negado no caso do PSD, mas alcançado no do CDS.
O que é inaceitável, por politicamente incorrecto e ética e democraticamente censurável, é que aqueles órgãos nacionais que sancionaram as datas das eleições internas sugeridas pelos directórios partidários venham agora a desmarcá-las sem que esteja demonstrada a impossibilidade prática de conciliar a legitimação eleitoral interna com a atempada organização das listas de candidatos a deputados. Quem receia ou parece recear eleições internas não tem legitimidade política e moral para disputar eleições nacionais. E isso mesmo quando, como no caso do CDS, os métodos usados por anteriores direcções que Nuno Melo integrou possam ter sido igualmente pouco democráticos ou recomendáveis.
Objectivamente, esta crise originada pelo enviesamento dos processos democráticos internos acarretam um evidente prejuízo para uma eventual solução de poder de centro-direita, quer por ser susceptível de fortalecer a direita radical quer por poder beneficiar a manutenção ou reforço do governo socialista de António Costa.
De resto, estou mesmo persuadido que a provável eleição de Paulo Rangel como presidente do PSD e a forçada manutenção do Xicão à frente dos destinos do CDS irão inviabilizar uma coligação entre os dois partidos, já que o maior deles, refrescado na sua legitimidade e com programa actualizado à medida da nova equipa dirigente irá apostar no voto útil e no crescimento à custa do seu até aqui “parceiro preferencial”. E assim se adiará, mais uma vez, a possibilidade de consolidar em Portugal uma alternativa de centro-direita.
Seja como for, atentas as manifestas e insanáveis divisões reinantes entre os seus mais altos quadros e militantes, não creio que, mesmo com Nuno Melo na presidência, o CDS lograsse estancar o progressivo esvaziamento partidário que se vem notando há uns bons anos a esta parte.
Parafraseando a profética expressão usada por Paulo Portas há mais de uma vintena de anos, antes de se ter candidatado pela primeira vez à presidência do partido, “este PP não tem emenda”. Definitivamente não tem. E ele próprio muito contribuiu para tornar mais real a sua premonição, pois sempre colocou os seus interesses pessoais, a sua vaidade e os seus sonhos megalómanos acima da história, dos princípios e dos valores do CDS e da fé democrática que gostava de exaltar com o mais apurado sentido táctico e mediático e a mais requintada reserva mental.
Eis, caros leitores, a razão por que entendo ser lamentável que, num momento tão propício quanto este, o centro-direita não seja capaz de aproveitar a oportunidade soberana de se afirmar como um bloco liderante das mudanças estruturais de que o país carece e de que o PRR poderia servir como adequado instrumento de alavancagem económico-financeira e social do país.
É deveras triste ver que, dentro de um partido que já foi um referencial para a democracia portuguesa, haja de um lado e de outro quem se afadigue a colocar mais um prego no caixão do CDS e a escrever-lhe o epitáfio para a laje tumular. Afinal, a finitude também se estende às instituições humanas, como a história se encarrega de assinalar. É preciso ter azar!
Autor: António Brochado Pedras