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O atalho que se tornou muro

Começo por onde terminei a última crónica. Não é agora que o Partido Comunista e o Bloco de Esquerda vão matar o mal pela raiz, que a conjuntura não lhes é favorável. Deitariam tudo a perder se o fizessem. Repito o que escrevi há sete dias atrás: “Vai ser preciso haver eleições legislativas no calendário normal para que os parceiros do Partido Socialista se desamarrem, sem maiores perdas, do compromisso que ainda resta. Até lá, estarão inevitavelmente colados à parceria, à sua manutenção e à sua queda”.

Apesar do discurso se ter extremado na última semana e ter levado muitos comentadores e políticos a admitirem que a crise será um facto real e imediato, já nesta quarta-feira, continuo a pensar que o novo muro que se instalou mesmo à frente do atalho descoberto por António Costa em Novembro de 2015 pode ainda ser deitado abaixo ou ser feita uma abertura que permita que o actual governo caminhe um pouco mais, ao menos um ano ou, quem sabe, até ao fim da legislatura em 2023. Interessante, não tinha pensado antes que a solução encontrada por Costa para governar sem ter ganho eleições pudesse comparar-se a um atalho. Descobri o termo num artigo de opinião de João Miguel Tavares, no Público, e como gostei da imagem para caracterizar a habilidade do secretário-geral socialista que fez cair o governo de Passos Coelho, utilizo-o aqui para integrar o título de hoje. Devo dizer, no entanto, por uma questão de coerência, que considerei, na altura, a melhor solução encontrada para se governar sem maioria parlamentar. Afinal de contas, mais de metade dos representantes dos portugueses pendia para a esquerda e era, como é, no Parlamento, que o povo estava e está representado.

No princípio, havia um muro, um muro que se manteve inalterado nas primeiras quatro décadas de democracia. Depois, Costa descobriu o tal atalho que permitiu que fosse ultrapassado o muro. Mas, o atalho foi-se enchendo de obstáculos e a topografia envolvente ficou difícil de percorrer. Estão no activo os mesmos que o percorreram, no entanto, alguns dizem-se cansados de tanto esforço sem benefícios – e até de prejuízos – e querem que o caminho se alargue para lá do traçado original, para que possam caminhar mais seguros, apesar das dificuldades orográficas da conjuntura. Fincam os pés e dizem que assim não, que não arriscam mais homens e mulheres, que já são muitos os que não os seguem. Do lado dos socialistas, mede-se a oportunidade do investimento, para além da dificuldade de haver quem avalize a operação. Estou em crer que uns e outros descobrirão uma nova passagem, estreita, mas suficiente para acautelar os interesses de todos.

2. No maior partido da oposição já há elementos suficientes para que comece o despique pelo palco que alguns julgam que será o trampolim para o de primeiro-ministro. Bastou que se começasse a falar de crise política e da possibilidade de haver eleições legislativas antecipadas.

Um parênteses. O cheiro a queijo desperta sempre o olfacto dos ratos e é então que saem das tocas uns quantos para verificarem as reais condições de fazerem parte do manjar. Conta-se que uma vez aconteceu que, depois da negociação de alianças e apoios para a discussão da hora da refeição, uns recém-chegados, famintos, começaram a influenciar outros convivas para que fossem servidos rapidamente. Aí, houve quem alertasse para a possibilidade da comida não ficar boa em tão pouco tempo de preparação, mas a ansiedade falou mais alto. O queijo saiu estragado.

Voltando ao PSD. Também aqui se decidiu recorrer ao atalho, mas para eleger um novo líder e posicionar a força partidária no caminho do poder. Os conselheiros sociais democratas não foram prudentes, descuidaram a estabilidade interna, tão importante em momentos cruciais como os que podem estar pela frente, ao não ponderarem melhor oportunidade para a realização do acto eleitoral previsto. Basta verificar que se instalou o desassossego numa altura em que o partido precisava de concentração e de união. O atalho criado pode bem constitui-se num muro enorme e depressivo.


Autor: Luís Martins
DM

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26 outubro 2021