O medo do que, com a gasolina que transportava, podia fazer o indivíduo que, na terça-feira, no Rio de Janeiro, sequestrou um autocarro com 36 passageiros e o motorista foi assaz intenso durante três horas. A intimidação completava-se com um isqueiro, além de uma pistola, que depois se veio a saber que era falsa. As razões do sequestro não foram cabalmente esclarecidas, mas foi admitido que o sequestrador poderia ter uma “perturbação mental”. O indivíduo foi abatido, o governador do Estado tirou dividendos da circunstância de os reféns não se terem magoado e o assunto ficou encerrado.
O episódio ainda assim poderia ser reaberto. Por diversas razões, todas inquietantes, mas, desde logo, por proporcionar uma espécie de metáfora do que ocorre em múltiplas ocasiões e lugares com indivíduos desequilibrados – fanáticos religiosos, homens de negócios mais gananciosos ou políticos demagogos – que sequestram, por exemplo, uma região, um país ou uma rede social, ameaçando pegar-lhes fogo.
Em certos sítios, a intimidação não é um expediente retórico. Referindo-se ao que está a acontecer na Amazónia, Avaaz, um movimento cívico internacional com mais de 50 milhões de membros, denuncia: “Há até histórias de aviões despejando gasolina para atear incêndios gigantes na floresta”. Gasolina contra o planeta, portanto. Literalmente.
A destruição da Amazónia não começou, agora, com Jair Bolsonaro (“um demente no poder”, afirmava o escritor Ruy Castro na última página do Diário de Notíciasde ontem, ou o “incendiário”, como lhe chamava também ontem, na primeira página, o Libération), mas ele tem-na incentivado ou permitido. Assenta-lhe, por isso, justamente o epíteto, atribuído noutro título do diário francês, de “cancro do pulmão verde”. Os que beneficiam com a destruição da Amazónia encontram-se entre os grandes patrocinadores do presidente, que, sem qualquer escrúpulo, retribui generosamente esse apoio favorecendo os negócios na região, à custa do planeta. Ao desclassificar áreas protegidas que ainda restam na Amazónia, Jair Bolsonaro remove um obstáculo simbólico à sua destruição.
O Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais do Brasil (INPE) divulgou números que indicam um aumento de 83% dos incêndios na bacia amazónica desde Janeiro de 2019 em relação ao mesmo período do ano anterior, tendo havido 72.843 focos de incêndios até ao dia 19 de Agosto (em todo o ano de 2018, houve 39.759). Os números tornam evidente que a tendência para a destruição da Amazónia foi reforçada após a eleição de Jair Bolsonaro. Após o INPE ter tornado pública a amplitude da desflorestação amazónica, o insensato presidente do Brasil, em vez de emendar políticas, despediu o responsável pelo organismo, o físico Ricardo Galvão.
Subscrever uma petição pode parecer inócuo, mas é o mínimo que se pode fazer em defesa da Amazónia. Uma delas, promovida pela Avaaz e intitulada “Brasil: Acabe com o apocalipse na Amazónia!”, é endereçada aos membros do Congresso Brasileiro, ao governo de Jair Bolsonaro e aos líderes mundiais. Subscrita, até ontem, a meio da tarde, por mais de dois milhões de pessoas, condensa o essencial: “Como cidadãos de todo o mundo, ficamos horrorizados ao ver o rápido aumento da destruição da floresta amazónica ocorrido nos últimos meses. O destino da humanidade está directamente relacionado com o destino da Amazónia.
Pedimos-lhes que façam tudo o que puderem para proteger a floresta, incluindo aprovar leis e acabar com a desflorestação ilegal”. O pedido visa também aumentar a pressão internacional para evitar que continue a destruição da Amazónia. Vale a pena assinar*.
*A petição pode ser subscrita em https://secure.avaaz.org/campaign/po/amazon_apocalypse_loc/
Autor: Eduardo Jorge Madureira Lopes
O apocalipse na Amazónia
DM
25 agosto 2019