1. Ano novo, vida nova… diz o povo, acreditando na força de realização dos seus desejos. E a verdade é que a energia dessa expectativa pessoal tem uma força psicológica muito grande, aumenta a autoconfiança e optimismo e motiva a lutar pela realização dos seus desejos. Há quem defenda que essa força de desejo, quando expressa em grupo, tem uma energia ainda maior e é capaz de mudança social. Se olharmos para o modo como as pessoas festejam a entrada no Ano Novo, em grandes ou pequenos grupos, vê-se que elas acreditam nesse poder. Será apenas uma crença mágica? Ainda estamos longe de saber explicar o mundo de energia em que vivemos e comunicamos; pelo menos, sabemos que esse sentimento pessoal contagia os outros e assim se forma uma corrente de energia que vai ter repercussão social.
Quando há um sentimento que é vivido em comum, as pessoas aderem espontaneamente a manifestações que o exprimam, porque sentem que ele também lhes pertence. É esta a causa que está na origem do fenómeno de as pessoas terem aderido a uma contestação social que aparece como inorgânica, como foi o caso dos coletes amarelos em França (depois na Bélgica, agora em Portugal… com as variáveis culturais e históricas que cada sociedade tem).
2. No caso das manifestações dos chamados coletes amarelos em Portugal houve quem se apressasse a esfregar as mãos de contente porque elas foram tímidas e não representavam qualquer ameaça de poder; mas, é bom não esquecer que essa timidez pode apenas querer dizer que, ao contrário dos povos do centro e norte da Europa, temos uma tradição cultural de obediência político-religiosa muito enraizada e que essa inibição vem funcionar como anestesia do povo. Não se esqueça, porém, que se os sentimentos existem, essa energia pode manifestar-se de outras maneiras e que as pessoas também se vão libertando desses antigos liames culturais ao verem como outros se comportam: as sociedades mudam, não são estáticas… Quer isso dizer que estas manifestações constituem um aviso de que o povo está cansado dos excessivos impostos e dos abusos da representatividade política e de ser tratado com menoridade. Não por estar contra a teoria da representatividade política, mas pela forma como ela tem sido exercida, em que, após as eleições, os eleitos rapidamente passam de representantes do povo a senhores do povo... Prova disso é que voltaram a aparecer reivindicações antigas e racionais como a exigência de redução para metade do n.º de deputados, acabar com os privilégios e regalias dos que vivem da política, a corrupção na política... Reivindicações tantas vezes feitas e nunca atendidas por quem detém o poder… É que, não é por tanto se continuar a dizer que está tudo bem que os problemas deixam de existir, mas apenas porque os que sempre os denunciavam agora estão calados a troco de estarem no poder. Essa é a tal paz social deste governo, porque a austeridade continua.
3. Não é por se denegarem os problemas que eles deixam de existir. E agora começam mesmo a rebentar pelas costuras por todo o lado, porque em vez de os resolver, se tem preferido outros objectivos políticos… A dívida continua a subir e já se denuncia que pode mesmo pôr em perigo as pensões pagas pelo Estado; e o Presidente da República fala em “1,8 milhões de portugueses em situação de pobreza”. Afinal, se não há problemas, que significam tantas greves? Só para o partido que as controla marcar terreno? E porquê tantas cantinas abertas, durante as férias, para servirem uma refeição a muitas crianças que, de outro modo, a não teriam? Para além das óbvias conclusões de ordem política e social que se devem tirar e de, como disse Poiares Maduro, “só podermos ter uma democracia que funcione se ela for assente na verdade”, há uma outra conclusão que é óbvia: o país precisa de uma Oposição e de uma imprensa livre que denuncie as injustiças sociais e ajude os cidadãos a tornarem-se adultos maduros e responsáveis, porque a maioria da imprensa servilizou-se ao poder...
4. Deste desejo sempre explicitado de uma vida melhor, em cada Ano Novo, qualquer que seja o modelo de civilização em que se festeje, emerge a verdade de que todos nascemos para ser felizes. Apenas somos diferentes nos caminhos para o conseguir. E aí que ninguém queira impor aos outros o seu ponto de vista ideológico, seja ele qual for, porque a liberdade faz parte da raiz da democracia e da dignidade da pessoa humana. Ditaduras a título de felicidade do povo, não… Já basta de ideologias.
Para si, caro leitor, um Novo Ano muito Feliz!
(Nota: o autor não escreve de acordo com o chamado Acordo Ortográfico)
Autor: M. Ribeiro Fernandes
O Ano Novo e o apelo da felicidade
DM
30 dezembro 2018