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O afecto e a liderança no relato da Ascensão (2)

1.A escola e o estágio dos Apóstolos para aprenderem a ser Mestres em Humanidade, antes de serem seus Mensageiros, foi a convivência com Jesus. Se era ao coração dos homens que eles iam falar, tinham de antes ter partilhado com eles a sua vida e as suas expectativas para serem capazes de entender os seus anseios mais profundos e as motivações do seu comportamento (é hoje cada vez mais claro que foi um erro histórico a pretensão da Igreja de formar os seus dirigentes à margem da vida real dos homens); do Mestre aprenderiam a inspiração e a sabedoria para lhes anunciar como viverem de acordo com ele e descobrirem a felicidade por que anseiam. Para que não se sentissem inseguros e sós, Jesus prometeu continuar a estar com todos os seus discípulos (“onde dois ou mais se reunirem em meu nome, eu estarei no meio deles” (Mt18,20) e que ia enviar o seu Espírito de Sabedoria para aprenderem a discernir o sentido dos acontecimentos (e como isso é necessário hoje!) e saber como anunciar a Boa-Nova. Analisando, hoje, para os efeitos dessa promessa, através dos testemunhos escritos que deixaram, as cartas às novas comunidades, constata-se que houve uma notável transformação pessoal que se manifestou na proximidade, no entendimento do coração dos homens e na sabedoria inspirada, que não lhes veio de outra escola, se exceptuarmos o caso de Paulo. Isso é sobretudo notório nas cartas de Pedro, de Tiago, de Judas irmão de Tiago, de João (se bem que, em relação a este, como o grande poeta do simbolismo e vidente místico do amor, não seja possível imitá-lo), usando a linguagem da vida corrente que todos entendem, um estilo simples, afável, sem divagações, com uma interpelação directa e uma abordagem focada no ponto sensível das expectativas dos ouvintes para despertar o seu interesse no assunto anunciado, falando da sua experiência pessoal na 1ª pessoa ou como grupo, sem pretensões moralistas que usa uma linguagem distante e se exclui das recomendações que faz aos outros. Nota-se aí uma finura de espírito e de mestria de relação humana que não é explicável sem a realização dessa promessa. 2. Poderá esta transformação dos discípulos ser explicada como paranormal? Todos nós já tivemos, uns mais outros menos, a experiência de observar coincidências que não soubemos explicar: por exemplo, pensar em alguém e ele pouco depois aparecer; sonhar com doença ou morte de um amigo e saber, depois, que isso aconteceu. Não se trata de fenómenos sobrenaturais, mas de capacidades naturais que uns têm e outros não. Por isso se designam como fenómenos paranormais. Também na linguagem da Igreja há uma expressão semelhante, sinais dos tempos, para exprimir a coincidência não-causal de dois ou mais fenómenos observáveis e distintos que aponta para uma nova realidade emergente. Diz-se que foi assim que João XXIII intuiu a convocação do Concílio Vaticano II. É uma outra forma de entender o subtil nexo causal da História, admitindo a presença da mão de Alguém sobre os acontecimentos e conferindo-lhe um sentido teleológico de desenvolvimento (a tese de Teilhard de Chardin). Jung também fez investigações, dentro e fora da Europa, para estudar sob o ponto de vista científico o nexo desses acontecimentos não-causais, que designou como sincronicidade, mas não teve muitos seguidores, por ser uma área de percepção bastante subtil e que precisa de certa intuição, que não é comum a todos. E também por funcionar à margem do modelo de causa-efeito sobre o qual se baseia a nossa cultura, embora este fenómeno se baseie em factos observáveis e reais. Porém, o fenómeno desta transformação dos discípulos em Mestres de Humanidade aponta para outra intervenção que a razão não sabe explicar. 3.O aspecto mais significativo dessa nova forma de presença anunciada por Jesus é que ela se tornou numa espécie de sacramento e regra de vida na igreja nascente: juntavam-se alegremente, em grupo, para escutá-lo, convivendo e orando e para aprenderem como viver, sabendo que ele estava no meio deles. Era assim o encontro da ceia da eucaristia doméstica ou mais alargada. Todos iguais, embora cada um possa desempenhar funções diferentes no grupo. Ainda, hoje, é essa atitude de proximidade na sua presença que sintoniza e aproxima o grupo na amizade, solidariza a sua relação, corresponsabiliza cada um nas funções que desempenhe e estimula a iniciativa. Não se trata de uma forma de liderança inorgânica, porque todo o grupo precisa de uma liderança, mas uma liderança diferente do modelo directivo vertical, onde o chefe fala e a sua autoridade passa a ser sinónimo de verdade. O modelo organizacional directivo é necessário em grupos em que a ordem é essencial, por ex. militares, mas não resulta em grupos de opção de consciência, porque a autoridade pode criar fiéis disciplinados, mas dificilmente gerar discípulos comprometidos e empenhados.
Autor: M. Ribeiro Fernandes
DM

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15 junho 2020