1. Nesta crise, fazer tudo para que se não crie mau clima que desatine em disfunção familiar nem um clima pesado de ansiedade com as crianças confinadas em casa por causa de evitar contágio do “corona vírus”, até que haja protecção imunológica com uma vacina eficaz (foi a mensagem que quis passar na passada semana e que hoje volto a deixar). A teoria e a prática. Não estamos em tempo de ser exigentes, mas de compreensão e de afectos. E como as frustrações também fazem parte da vida, a criança aprende tanto melhor a suportá-las quanto melhor for ajudada a fazê-lo. E a compreensão e o afecto funcionam aqui como a suspensão funciona para os carros: amortecer o choque das irregularidades das estradas da vida. Nos tempos que correm, sem este amortecedor é mais difícil aguentar os choques de estarem todos juntos em casa 24 horas por dia; e a criança, descompensada, pode sentir-se incapaz de aguentar o stress das contrariedades, perder o controle, ser agressiva, chamar a atenção para si mesma...E triste seria se o adulto o não percebesse e se voltasse contra a criança… Aí, perderia a confiança dela e considerava-o mau. E iria acrescentar uma nova frustração àquela que já existia. É assim que uma birra normal se transforma numa birra patológica, que pode vir a transformar-se numa fonte inconsciente de conflito futuro e perdurar pela vida fora. Não é só a criança que deve aprender, é também o adulto que aprende na interacção com a criança.
2. É difícil não haver impaciências estando em casa 24 horas por dia… É certo que a idade das birras, que corresponde a uma fase de crescimento/afirmação e adaptação, tende a desaparecer mais ou menos a partir dos 5 anos; mas, por inépcia do adulto, a maior parte das vezes da figura materna, ela pode prolongar-se e tornar-se patológica e, em vez de desaparece, tender a aumentar e a ser mais frequente e duradoira e pode transforma-se em conflito permanente, em incompatibilidade pessoal que normalmente se apresenta como forma de carência afectiva. Porque, no fundo, o que desencadeia a birra é a carência afectiva e a frustração que a criança já não consegue suportar… É assim que a principal causa da origem da birra patológica reside na família. Quando os pais são demasiado restritivos e exigentes, a criança contrariada reagir habitualmente em forma de protesto. Pior ainda, se a figura materna reage com hostilidade em relação à criança, isto é, quando as restrições são feitas de um modo agressivo e vingativo e de castigo, como no caso daquelas mães que, por tudo e por nada, “põem os filhos de castigo”, essa prática pedagogicamente estúpida e contraproducente que virou moda em muita gente.
3. Mas, por detrás destes comportamentos também podem estar outras razões que tornam a criança mais susceptível. Por exemplo, se estar indisposta, estar com fome, dormir mal… ou ainda causas orgânicas de fragilidade neurológica, como a tão frequente hiperactividade neurológica (TDAH). Há cada vez mais casos desses, o que pode ter a ver com situações da vida de hoje a que a mãe está ou esteve exposta. É aconselhável, nestes casos, consultar alguém competente e experiente e eventualmente fazer algum exame para despistar essa possível fragilidade. Há uma regra prática que pode ajudar a discernir essa dúvida: quando a birra não desaparece com o tratamento lúdico, então é porque pode haver fragilidades nervosas que é preciso detectar. É a chamada dimensão sintomática da birra, a que se deve esta atento. Por tudo isto, há duas atitudes, da parte do adulto, que é preciso evitar: a inconstância de atitude e a rigidez e incompreensão. Acima de tudo, bom senso e compreensão. A melhor solução é a profilaxia, como diz Grunspun: evitar todas as situações que possam originar frustrações...
4. Embora as cenas de birra pareçam um dos aspectos mais desafiadores da imagem do poder parental, pois todos os pais gostam de ver as crianças sorridentes e felizes e não deitadas no chão a chorar e a gritar, não se deve entrar em pânico por causa disso. Ninguém gosta de as ver chorar; mas, se acontecer, as lágrimas também têm um papel saudável para diminuir a tensão psicológica e nervosa: é que as lágrimas contêm cortisol, a hormona do stress. Ao chorar, elas diminuem a pressão arterial e melhoram o bem-estar emocional, porque aliviam a carga de cortisol que foi lançada na corrente sanguínea pela reacção de defesa provocada pelo mal-estar. Depois de chorar, se for acalmada e acarinhada pelo adulto, a criança tende a sossegar e até adormecer. Tudo na vida pode ser melhorado… A compreensão e o afecto são, para grandes e pequenos, o mel para acalmar as lutas da vida e o amortecedor das irregularidades das estradas da vida, como esta que passamos.
Autor: M. Ribeiro Fernandes
O afecto como amortecedor nas estradas da vida
DM
29 março 2020