1. Para vender melhor qualquer produto para crianças ou para o Lar, os publicistas costumam escolher imagens de mães jovens bonitas e muito afectivas na relação com as crianças. Fazem-no porque sabem que isso agrada a toda a gente… é a verdade natural. Embora a atitude educativa tenha vindo a mudar muito nos últimos tempos, ainda há bastante gente que pensa que “para se educar tem que se ser exigente, porque a vida também é exigente…”, como há dias ouvi de uma jovem mãe. Ainda há muita gente que entende que a atitude de dureza é a melhor forma de educar uma criança. Dureza e castigo… E até sadismo na escolha do castigo: tirar-lhe aquilo de que ela mais gosta… Há pessoas que, por dá cá aquela palha, ameaçam logo a criança com castigo: vais de castigo… E tenho constatado essa atitude é frequente em pessoas com instrução superior, prova que nem sempre a instrução se pode confundir com formação de carácter e de personalidade. São instâncias da personalidade que deviam interagir mais, mas nem sempre isso acontece. Não quero com isto dizer que se deve confundir educação com regras e valores com educação absolutamente permissiva. São coisas diferentes. O que eu quero dizer é que educar não é reprimir ou agredir.
2. A prova está que o cérebro de uma criança tratada com dureza é condicionado a funcionar de forma doentia e a representar erradamente a relação com os outros. No polo oposto, vejam como reage o cérebro de uma criança quando é estimada e recebe gestos de carinho: a neurocientista do MIT (Instituto de Tecnologia de Massachusetts) Rebecca Saxe conseguiu realizar uma ressonância magnética ao seu filho, de dois meses de idade; nessa imagem, foi possível ver que um beijo no bebé causou uma explosão de ocitocina, considerada a hormona do amor e libertou vasopressina, a hormona que estimula a ligação emocional das mães aos bebés e ainda a serotonina, considerada a hormona do prazer, que ajuda a regular o humor. Isto retrata um bebé feliz, com um relacionamento fácil, que prevê um adulto bem integrado, menos conflituoso, mais construtor de laços pacíficos.
Noutra pesquisa semelhante, o National Children’s mostrou que as crianças que recebem abraços e colo têm uma resposta neural a estímulos externos melhor do que crianças que têm poucas interacções afectivas com os pais. O cérebro das crianças que são tratadas sem afecto e com dureza reage de forma oposta e vai criando habituação a reagir assim, andam crispadas, tristes, agressivas…
3. Já se tinha intuído, por observação do comportamento, que aquilo que nos dá alegria de existir é termos consciência de que alguém gosta de nós, não de alguém que manda em nós. O célebre psicanalista inglês Donald Winnicott dizia que “não há bebés”… E Oliver James explica porquê: “um bebé só começa a existir como tal desde que tenha as suas sensações confirmadas pela atenção e assistência que recebe de quem cuida dele”. Sem isso, há apenas crianças sem nome, que se vão arrastando na vida ou lançados ao esquecimento afectivo… É recebendo atenção e amor ao longo do seu crescimento que a criança se vai tornar num bebé feliz face à pessoa que cuida dele… Aprende a gostar dela e a imitá-la. E, aqui, deixo um conselho para os educadores: a maior parte da nossa aprendizagem processa-se por via da imitação, mas só imitamos a pessoa de quem gostamos. Se os alunos não gostam do professor, a aprendizagem será pouco consistente…
4. O nosso sentimento profundo de felicidade e mesmo a qualidade íntima da nossa vida podem depender muito das atitudes educativas que nos marcaram em pequenos. Intencionalmente ou não, o certo é que, por força da tradição e pressão social, o modo como os pais estão e lidam com os filhos vai ditar muito da sua satisfação ou insatisfação de viver e de amar… Embora não haja determinismos no comportamento, há padrões de influência e modos de funcionamento cerebral a que se habituou, com a expressão dos respectivos sentimentos, que o tornam relativamente previsível. É quase um mistério prever o futuro de uma criança, porque são muitas e constantes as influências, incluindo o vector da liberdade pessoal; mas, há influências na vida que são determinantes. Sobretudo, dependendo muito da forma como o sujeito foi tratado em criança. A dureza de trato pode criar seres tristes e obedientes, embora revoltados, mas não cria certamente seres cooperadores. Não há educação sem amor nem amor sem liberdade. Uma pessoa livre coopera; uma pessoa condicionada obedece…
5. Há muitas pessoas sem alegria e espontaneidade de viver porque foram condicionadas a obedecer. Precisam de quem mande nelas, embora passem muito do seu tempo a conspirar contra isso. Para criar homens livres e cooperadores precisamos de afecto na educação. Isso não quer dizer que não deva aprender regras de disciplina da convivência social, mas é mais fácil assumi-las quando se aprende com afecto. É que, na disciplina, nem sempre o que conta mais é o objectivo, mas o método como se aplica. Para ser correcta, a disciplina deve ter as seguintes características: razoável, consistente e delicada.Era assim que se chamava a “educação de príncipe”. E é assim que, olhando para o adulto que hoje é, se pode ver a criança que ontem foi. Não esquecer que a felicidade dos filhos depende muito do modo como os pais os trataram…
Autor: M. Ribeiro Fernandes