O dia 31 de Janeiro de 2020 representa um mau momento para a Europa. Estritamente falando, o Brexit é uma separação. Lamenta-se profundamente que os nossos aliados nesta região do Atlântico – uma área geopolítica fundamental para Portugal – abandonem um projecto de paz, uma ideia virtuosa de solidariedade, e um espaço de prosperidade. A União Europeia não é uma mera organização internacional. É um processo de abertura e de liberdade à escala do continente. Indo contra os que querem marcar limites físicos à ideia de unidade europeia referiria que quando os valores e a cultura estão envolvidos, as fronteiras não podem seguir as demarcações geográficas. Esse é um dos logros do referendo de 2016 no Reino Unido.
Novos realinhamentos: diminuição da componente atlântica da UE
A saída da Grã-Bretanha diminui o perfil atlântico da UE deslocando o centro de gravidade para o interior da Europa, um dilema considerável para o nosso país: Primeiro, em função do número de portugueses a trabalhar nas Ilhas Britânicas. Segundo, pelo facto dos britânicos constituírem um dos elos fundamentais do sector do turismo. Terceiro, no que respeita à alteração dos equilíbrios de poder, algo a que Portugal tem de prestar atenção. Novos realinhamentos vão surgir. É imprescindível estar atento à evolução política em França e, em particular, na Alemanha cuja estabilidade e sucesso nestes últimos sessenta anos se fez em estreita ligação com a integração europeia.
Impacto negativo na imagem e no estatuto internacional da UE
Para além de enfraquecer o Reino Unido, o Brexit tem um impacto negativo na União Europeia, fragilizando-a no plano internacional. A UE assenta numa fundação frágil, dado o seu carácter único. O Brexit representa também uma “distracção” grave no momento em que a UE necessita de lidar com a alteração do foco dos Estados Unidos para a Ásia-Pacífico, e com o enorme dilema de segurança que o expansionismo da China representa. Estrategicamente, a saída dos parceiros britânicos configura, pois, um revés. No meio da perplexidade geral, é fundamental relembrar Romano Prodi para quem a integração é um projecto para prevenir guerras na Europa. Ora, a nova circunstância encerra um novo efeito: A UE deverá despender mais em matéria de defesa.
O Reino Unido pós-Brexit
O Brexit é um desastre potencial, também na vertente interna do Reino Unido. Pode acontecer que fique reduzido à Inglaterra e ao País de Gales. Sabemos que demasiado nacionalismo mata a nação, uma das grandes lições da história europeia. O desnorte no seio das instituições britânicas nos últimos três anos e meio atesta de forma flagrante a incongruência da decisão de abandonar a UE, pondo em causa uma cultura política de grande pragmatismo. A Escócia fez saber pela voz da sua chefe de governo que exigirá um novo referendo com vista à independência (os escoceses votaram 62 contra 38% pela permanência). Por sua vez, o Brexit aprofundou as divisões existentes na Irlanda do Norte, que votou igualmente pela permanência (56 contra 44%), prejudicando o entendimento histórico conseguido em 1998. A ironia não poderia ser mais gritante pois o governo de Londres virá, consumada a separação, “bater à porta” dos 27 Estados Membros na senda – profundamente paradoxal – de um estatuto comercial privilegiado de acesso ao mercado único! O Brexit desemboca, assim, numa espécie de mistura aventureira entre a imprudência e a tolice, onde a incerteza parece ser o único luxo, colocando os 27 e o próprio Reino Unido num arriscadíssimo limbo do divórcio.
O Brexit e a reinvenção do projecto europeu
Considero que a UE pode estar seriamente ameaçada de desintegração pelo Brexit, um paradoxo estranho na medida em que a experiência comunitária é mais necessária do que nunca para obstar a novas hegemonias, seja qual for a sua capa. A União é fundamental para fazer face ao fanatismo dos jihadistas e a todos os tipos de populismo. Por outro lado, só a UE tem a experiência de governação colaborativaacumulada para responder aos desafios que não podem ser resolvidos por um país de forma isolada. O Brexit constitui, pois, um péssimo cenário. Mas, não poderia deixar de sublinhar aquilo que considero ser o seu efeito mais negativo: O Brexit é um duro golpe no projecto de unidade europeia, um momento de confusão política que abre uma oportunidade para os arautos dos nacionalismos exacerbados e de outros expedientes demagógicos. A UE continua a ser a mais admirável construção política de cooperação, combinando democracia representativa, instituições multilaterais e economia social de mercado. Torna-se agora fundamental assegurar uma “calibragem” inteligente das políticas públicas europeias, nomeadamente em termos de medidas de desenvolvimento económico. O relançamento da União, bem como a continuidade do esforço de modernização dos Estados que a integram, é indissociável da sua reinvenção.
Autor: Luís Lobo-Fernandes
O abandono do Reino Unido – um duro golpe no projecto de unidade europeia

DM
30 janeiro 2020