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O 10 de junho e Camões

Camões é um vulto imenso que nos habituamos a ver de longe, como no alto de um pedestal. A sua intimidade quase só podemos tentar deduzi-la a partir da sua obra (Os Lusíadas, as rimas, os autos e as Cartas) ou atingi-la sobre notícias que a tradição guardou. É comum dizer-se que o século em que viveu (séc. XVI) foi o século português por excelência. Ignora-se a data de composição de “Os Lusíadas”. Com segurança, e por autor coevo de Camões – Diogo do Couto – apenas sabemos que o Poeta trabalhou no acabamento da obra durante o inverno de de 1569, em Moçambique. Da alusão feita pelo autor no Canto X, a propósito do naufrágio na foz do rio Mecon, deduz-se que parte do poema, “aquele canto molhado”, salvo das águas, teria sido composto durante a permanência do Poeta no Extremo Oriente (1557-1559?). Admite-se, geralmente, que Camões desde muito cedo – já já antes da partida para a Índia – planeava a epopeia. O que parece resultar evidente do conhecimento sumário da vida do Poeta é que a epopeia andou com ele durante os anos da sua permanência no Oriente, alimentando-se da realidade vivida ou evocada “in loco”. Dir-se-ia que Camões regressa ao reino quando sente cumprida a sua missão, concluída a obra que dava sentido a toda a sua atividade de viajante, soldado ou funcionário, por terras do Oriente. O título de “Lusíadas”, adjetivo substantivado que significa “os descendentes de Luso” (mitológico pastor, filho de Baco, que teria povoado a Ibéria ocidental) tem-se prestado a controvérsias. A ser decalcado, rigorosamente, sobre os nomes de epopeias clássicas, deveria aparecer na forma de “Lusíada” (paralela de Ilíade, Eneida, Tobaida, etc.) E assim, aparece efetivamente designado por vezes o poema em autores clássicos e até em algumas das primeiras edições: “a Lusíada de Luis de Camões”. Entretanto, como sublinha o Prof. H. Cidade, ao utilizar para o título do poema a palavra que, segundo as melhores probabilidades, encontrara num poema latino de André de Resende, Camões quis com aquele plural anunciar que o seu intento não era, como o dos autores da epopeia clássica, ou seja, celebrar um herói individual ou uma ação isolada, mas sim exaltar o povo português. O objetivo do poema é efetivamente a exaltação dos feitos dos portugueses – ou, como hoje diríamos, da sua empresa comum, da sua vocação ou destino histórico. Não são, portanto, quaisquer feitos notáveis, indiscriminadamente apresentados ou quaisquer aventuras ou vicissitudes do povo português que constituem a substância épica. O dia 10 de junho, aniversário da sua morte, ocorrida no ano 1580, foi o dia escolhido pelo Estado Português para comemorar “Portugal, Camões e as Comunidades”. Mas, desde a luta partidária entre republicanos e monárquicos, nos fins do sec. XIX e princípios do sec. XX, passando pelo “Dia da Raça”, já no período do Estado Novo, até ao dia de “Portugal, de Camões e das Comunidades”, no pós 25 de Abril, nunca a escolha foi uma opção pacífica, já que outra maior figura da nossa história ( a 1ª figura) merecia mais importante comemoração. Refiro-me a D. Afonso Henriques, que na qualidade de vencedor da batalha de S. Mamede, em 24 de junho de 1128, tornou-se o Fundador de Portugal. De todo o modo, as figuras de D. Afonso Henriques e Camões completam-se nos dois elementos essenciais à formação de uma nação (território e língua). O primeiro, com o seu génio militar e diplomático deu-nos o território que temos. Por sua vez, Camões coloca como ação d`Os Lusíadas a história de Portugal, lançando um apelo à consciência nacional e universal, de que Guimarães e a Fundação de Portugal constituem, necessariamente, o primeiro capítulo.
Autor: Narciso Machado
DM

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10 junho 2020