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Novos incêndios na velha Europa

No ano passado, com grande dor e até indignação, sofremos no nosso país, nos meses de junho e de outubro, uma leva fortíssima de incêndios que vitimou mortalmente mais de cem pessoas. O país ficou chocado, diria, de luto dpesado, e teve tempo e matéria para refletir sobre o sentido desses acontecimentos. E, com certeza, procurar evitar, no futuro, situações semelhantes. Ainda constitui matéria habitual dos telejornais e da preocupação lusitana o que sucedeu e, com alegria, verificámos que nas grandes ocasiões o nosso coração bateu com força e acudiu às angústias de uma forma pronta e expedita, não negando esforço para superar o rol negro de dor e de carência com que ficaram muitos dos nossos conterrâneos depois de apagadas as labaredas. Claro está que o sentido crítico também não falta, alguns possíveis atropelos das leis de proteção das vítimas, ao que parece, foram aproveitadas indevidamente, mas o balanço é francamente positivo. Claro está que lamentamos que, por incúria e sobretudo por patologia, haja portugueses, que provoquem incêndios, mas aí está o papel da prevenção e da autoridade para exercitar as suas funções com acerto, procurando pelos meios adequados que se repitam o menos possível tais desmandos tão violentos. Mas quando o fogo, que com afável conforto nos aquece no inverno e nos prepara pitéus que tanto apreciamos, não é bem orientado na sua conduta pelo homem que dele se serve, pode irromper de modo agressivo e letal, arrasando à sua frente casas, bosques e pessoas. Nós, portugueses, experimentámos tais virulências, de modo ostensivo, no ano passado e, infelizmente, verificámos que alguns países europeus, como, por exemplo, em maior escala, a Grécia, acabam de sofrer situações tremendamente angustiosas, que a todos nos fez recordar com dor as imagens que os noticiários nacionais nos proporcionaram, mostrando automóveis calcinados, casas destruídas, pessoas a fugir do fogo numa corrida de desespero e, com certeza, a notícia de muitos mortos e desaparecidos. Sentimos agrado quando vimos várias nações do Velho Continente – entre as quais Portugal –, socorrer imediatamente os nossos irmãos helénicos e também suecos, ainda que estes, segundo penso, não tivessem a lamentar vítimas humanas, mas apenas prejuízos florestais e materiais enormes devido aos fogos que aí se registaram. Talvez até pensássemos que igual solidariedade, pelo menos tendo em conta a sua rapidez e espontaneidade, não tivesse ocorrido em 2017 com os acontecimentos idênticos passados nesta “praia à beira-mar plantada”, como lhe chamou um dos nossos grandes poetas. Não sentimos, de facto, qualquer sentimento de inveja ou de despeito. Pelo contrário, compreendemos que o que ocorreu no nosso país foi um bom despertador para suscitar nesta Velha Europa a solidariedade e o socorro dos seus habitantes, quando uma parte dela necessita do seu concurso para resolver ou, pelo menos, minorar circunstâncias tremendamente desastrosas e lamentáveis. Pois não aconteceu na Grécia aquilo que ocorreu em Portugal? A repetitividade duma calamidade, em tão pouco espaço de tempo, leva a pensar que ninguém está livre de sofrer ataques da natureza semelhante. Independentemente de serem causados pelas modificações climatéricas, o aquecimento global e tantas outras indeterminações atuais que muita gente defende, o cerne da questão reside na insegurança de tantas pessoas, que moram num continente cheio de tradições civilizacionais e que exportou para todo o mundo muitas ideias e princípios que hoje orientam as sociedades mais evoluídas. Precisamente nele, principal berço de tantas culturas atuais, a vida humana, quando menos se espera, é levada por um fogo inclemente, que lhe destrói a vida, a casa e o ambiente, como se o seu habitat fosse acometido por uma incursão de bárbaros facínoras. Tudo isto nos faz refletir sobre aquele dito tão evidente de S. Paulo: “Aqui não temos morada permanente”.
Autor: Pe. Rui Rosas da Silva
DM

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28 julho 2018