Temos governo novo ou novo governo? A coisa não é semântica: novo governo pressupõe novas políticas; governo novo é o mesmo governo, com novos ministros, mas as mesmas política. Assim como novo carro é movido a eletricidade, carro novo é movido a gasolina/gasóleo. Parece-me que vamos ter um governo novo porque as suas políticas já velhas e aprovadas pelos eleitores. O que se deseja a quem recomeça? Não é, certamente, boa sorte porque esta é filha dileta do acaso ou do improviso; deseja-se que tenha sageza na sua ação, isto é, que alie a virtude à sabedoria. A governação tem o seu valor substantivo nas políticas aplicadas em cada setor, expressas na educação, na saúde, nas forças armadas, na justiça, para não mencionarmos outras. E esta política setorial ( Public Policy ) depende do um bolo (OGE) que há de ser partido em fatias e, a cada setor, sua fatia; não é desprovido de intenção ideológica o tamanho e grossura deste fatiado. Há umas mais grossas que outras; se é mais social ou menos social, isto é, se há mais fatias mais gordas para a população ou se privilegia mais o capital. Assim se reconhece um governo de esquerda e um governo de direita. Isto quer dizer que são as políticas que elegem um governo e não os ministros que o compõem. Os eleitores deram a maioria ao PS na figura de António Costa. Então esta maioria significa que os eleitores querem as mesmas políticas que já foram aplicadas na anterior gestão. Mais solto das amarras da esquerda, talvez possa ser diferente, as diferenças de um governo socialista. Que a sociedade está de acordo com esta política, é indiscutível. Mas há contestação daqueles que não lograram alcançar o poder. A estes compete-lhe essencialmente obrigar o governo a cumprir o programa aprovado nas eleições e fazer denúncia pública dos incumprimentos, ou mal cumprimentos programáticos. Dentro do programa referendado, o primeiro-ministro atual tem toda a legitimidade de dispor de tempos e oportunidades para aplicação das medidas do seu programa. A este novo governo é isto que a oposição deverá exigir, sempre na perspetiva de o ajudar a melhorar a sua prestação e não usar o bota-abaixo como sempre acontece. Lirismo, pois será, mas nunca uma oposição sistemática convencerá o eleitorado porque sempre verá nela uma vingança azeda, coberta de ressabiamentos de derrota. Este governo vai enfrentar alguma contestação do bota-abaixo, porque o PCP vai fazer da rua o seu palco privilegiado. É aliás o único palco onde se sente confortável. Mas esta contestação já foi poder; foi enfraquecendo de influência porque se tornou repetitivo, sem resultados palpáveis; por causa disso, vem o PCP perdendo grande parte da sua credibilidade. As arruadas são como o folclore: encantaram mas caíram em desuso. Já tiveram a sua glória, mas perderam o fulgor da contestação. O mesmo declínio se vai verificando no BE e no CDS. Aquele em estado de doença prolongada e este em estado comatoso. Para sobreviverem têm de contestar mesmo sem razão forte, tem de fazer prova de vida e, para o fazerem, vão agarrar o pretexto como causa; cravam assim na sua credibilidade mais incredibilidade; sem razão até a voz se torna silêncio. O PSD está em crise existencial e exaurido de ânimo para levantar a cabeça. Portanto, o governo que tomou posse não tem de se preocupar com ninguém, tem de estar atento a si mesmo e governar sem medo de quem quer que seja. Será governo de roda livre mas que não se esqueça de que corridas loucas, normalmente, acabam no precipício. Não terá desculpa se fizer mal feito aquilo que tem de ser bem feito. Se fizer deste novo governo um governo novo, fará uma verdadeira reforma estrutural deste país. Gostaríamos de a apreciar.
Autor: Paulo Fafe