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Novo Estatuto do SNS

Três anos depois da aprovação da nova Lei de Bases da Saúde e após vários meses em consulta pública foi, recentemente, publicado em Diário da República o novo Estatuto do Serviço Nacional de Saúde (SNS) através do Decreto-Lei n.º 52/2022.

Ao longo de 108 artigos e suas alíneas é apresentado com algumas disposições ainda por regulamentar, mas, ainda assim, estabelece mais uma peça do complexo puzzle da ansiada reforma do, por demais evidente, carenciado SNS.

Trata-se de um exercício intrincado cuja aplicabilidade gerará, seguramente, reprovações pelas suas genéticas imperfeições.

Porém, mais do que assinalá-las, e porque tudo leva o seu tempo, importa reflectir sobre a sua relevância, adequabilidade e como poderá, de facto, contribuir para o colmatar de aspectos essenciais em qualquer reforma, tais como a atração e retenção dos profissionais ou a garantia de acessibilidade adequada das pessoas aos serviços de que necessitam.

A história foi-se encarregando de nos demonstrar a verdadeira dimensão de reformas e programas de transformação falhados. Nestes casos são, por definição, equacionados objetivos, desenhados planos de projeto e definidos indicadores de performance. Mas tal nem sempre é suficiente. Transformar o SNS, tanto mais em favor daqueles que dele necessitam - as pessoas - exige muito mais. Para que a transformação seja bem-sucedida, exige-se, no mínimo, o envolvimento dos líderes e dos profissionais de saúde, num compromisso conjunto, emocional e devidamente coordenado.

Voltando ao Estatuto, da análise da sua estrutura, destaco três vectores que reputo da maior relevância: a nova configuração organizacional, da qual sobressai a nomeação de uma Direcção Executiva; o desenho funcional e a sua adequação ao modelo regional preconizado e, ainda, a equação sobre o modelo de participação pública nos serviços de saúde.

Ora, no que respeita à estrutura organizacional e à nova Direcção Executiva, pretende-se com esta garantir um novo modelo de governação, estratégico, concertado e envolvente (lamentando-se antecipadamente a não inclusão de alguns profissionais de saúde como é o caso dos farmacêuticos nos órgãos dos Agrupamentos de Centros de Saúde (Aces) e nos seus Conselhos de Comunidade ) de todas as instituições do SNS por forma a colmatar as até então evidentes dificuldades de efectiva coordenação das suas várias unidades, sem ingerências políticas. Mas tal ambição só será passível de se concretizar caso exista um orçamento adequado às necessidades e gerido de forma autónoma; se forem absolutamente transparentes todos os mecanismos de necessária accountability nos processos de gestão e, acrescento, uma condição absolutamente “sine qua non”, a da garantia da competência e independência dos nomeados para as exigentes funções atribuídas…algo que, aliás, numa sociedade evoluída e madura nem necessitaria de menção ou comentário adicional.

Quanto ao referido “desenho funcional” subsistem igualmente muitas dúvidas. A criação dos designados “sistemas locais de saúde” afigura-se positiva tanto mais que visa promover uma maior proximidade e cooperação ao nível local sendo, por conseguinte, mais próximo das pessoas a quem prestam cuidados. Porém, a forma como se articularão estas unidades locais e a gestão central não é evidente. Merece clarificação.

Por último, a referência à inclusão e participação activa dos cidadãos nos serviços de saúde e nas questões para as quais mais necessitam de resposta é tida como positiva sem, contudo, se perceber ainda se estamos perante mais uma figura retórica ou se será efectiva essa intervenção, seja na garantia da equidade no acesso, na avaliação de processos de contratualização ou até na monitorização e avaliação dos indicadores em saúde expectáveis.

Em suma, não obstante o seu cariz marcadamente ideológico, onde o público assume um papel cada vez mais centralizador e se minimiza o papel do sector privado, todas as reservas e dúvidas que subsistem ou as necessárias afinações regulamentares, ainda assim, afigura-se como positivo este novo Estatuto. Esperamos todos que a sua implementação corra bem. Caso contrário, sofreremos… quase todos.

PS: O autor opta por escrever segundo o acordo ortográfico precedente.


Autor: Mário Peixoto
DM

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20 agosto 2022