O que se tem ouvido na Comissão Eventual de Inquérito Parlamentar (CEIP) que, entre outras matérias, investiga as perdas registadas pelo Novo Banco (NB) e imputadas ao Fundo de Resolução (FR), não constituindo grandes novidades, choca pelo desplante, ou mais prosaicamente, pela lata com que os depoentes invocam a ignorância dos elementos essenciais dos negócios que geraram os calotes ou atiram a culpa pela incumprimento dos seus débitos para o banco credor, que acusam de não lhes reestrurar as dívidas ou não haver suspenso o respectivo pagamento, garantindo a pés juntos que tudo fizeram para pagar, apesar de agora não terem património próprio e de que, quando tiveram, o banco (vá se lá saber porquê…) os ter poupado a execuções ou à insolvência. Ou pelo despudor dos CEO do NB que, alegando estar a instituição numa posição desvantajosa em relação aos devedores e constatando terem estes pouca coisa e não podendo, por isso, reforçar as garantias, confessam ter preferido aumentar as imparidades do banco, sem uma ponta de arrependimento.
Mas de entre todos os depoimentos, um houve que me deixou perplexo: o do eng.º António João Barão, fundador e vendedor das cinco empresas-fantasma que serviram de intermediárias na venda de centenas de imóveis do portfólio “Viriato” que integravam o activo do NB, negócio que gerou perdas estimadas em cerca de 270 milhões de euros, suportadas pelo FR. Ora, entre o que este Barão disse, respiguei os seguintes pontos: que nunca teve contactos com o NB; que não sabia a que negócios se destinavam as cinco imobiliárias cujas quotas ele e a mulher cederam na totalidade; que foi contactado pelo escritório de advogados Morais Leitão para vender as suas ditas cinco sociedades; e que, combinado o preço da venda, o negócio foi fechado sem sequer saber o nome do comprador.
Instado para explicar melhor o seu comportamento negocial, Barão acrescentou: “Chego lá, dou uma olhadela no contrato, uma leitura ligeira, nem sequer fixo o nome de a quem estou a vender. Certamente que têm tudo em ordem e assino.”
E prosseguiu o seu depoimento, esclarecendo que nenhuma daquelas sociedades teve qualquer actividade real, que o preço de venda de cada uma delas foi de cinco ou seis mil euros e que as vendeu como quem vende um serviço, uma vez que as imobiliárias, num momento inicial, não pagam IMT na compra de imóveis para a sua actividade. E sem que ninguém lhe tivesse perguntado, disse que “ninguém me mandou fazer nada”, para fazer passar a ideia de que não colaborara com a sociedade que adquiriu os imóveis do NB. Só no momento da venda é que soube quem foi a compradora.
Sem querer maçar os meus estimados leitores com outras afirmações de Barão, não posso deixar de concluir que este depoimento faz suspeitar seriamente da conivência do depoente na prática de eventuais actos lesivos do interesse público, porventura susceptíveis de integrar ilícitos de natureza criminal. Por isso, bem andaram os deputados da CEIP ao decidirem remeter para a Procuradoria Geral da República certidão desse e doutros depoimentos para os fins tidos por convenientes.
Mas, para além do inquérito parlamentar, vale também a pena realçar aqui a auditoria realizada pelo Tribunal de Contas (TC) ao financiamento público do NB, consubstanciada num relatório que foi tornado público no passado dia 3 de Maio e cujas conclusões são deveras preocupantes.
No meio de críticas aos governos, ao FR, ao BP e ao NB, os juízes conselheiros concluíram, além do mais, que “não foram protegidas as contas públicas nas injecções do FR no NB, previstas no acordo de venda do banco à Lone Star, em 2017”, rematando com esta súmula: “…não foi minimizado o impacto de sustentabilidade das finanças públicas, nem reduzido o risco moral…”.
Ora, tais conclusões demonstram à saciedade que o negócio do NB contrariou uma das condições fundamentais que o próprio Governo (vendedor) havia colocado no processo de venda – “não ter impacto directo ou indirecto nas contas públicas nem novos encargos para os contribuintes” e que “eventuais responsabilidades futuras não recairão sobre os contribuintes, mas sobre os bancos que asseguram o capital do Fundo de Resolução”.
Porém, nesta auditoria, o TC não se limitou à emissão de um juízo crítico sobre o processo em análise pois que, na sequência das conclusões formuladas, apontou um conjunto de recomendações, com vista à correcção das deficiências reportadas.
Espero, assim, que o resultado desta auditoria tenha o condão de não só iluminar a CEIP, como de pôr na linha todos os responsáveis pelo processo do NB.
Transparência e prestação de boas contas têm de ser os princípios orientadores das práticas bancárias e do sistema financeiro. É uma tremenda injustiça e constitui uma pura obscenidade tolerar os calotes de milhares de milhões, enquanto se perseguem os pilha-galinhas e os devedores de meia tigela! Chega de esquemas fraudulentos e de velhas práticas de favores e compadrios que servem de rede aos maiores caloteiros da banca nacional.
Autor: António Brochado Pedras