Estamos no início do mês de Novembro, a que vulgarmente chamamos o mês das almas. Efectivamente, no seu primeiro dia lembramos todas aquelas que já gozam da bem-aventurança eterna, na presença constante de Deus, infinitamente perfeito e desejoso de lhes dar uma felicidade inimaginável por qualquer um de nós, que somos limitados em tudo, incluindo na capacidade de idealizar um estado de absoluta ventura sem defeito e sem interrupção, que designamos por Céu.
Sabemos, porém, – a fé no-lo diz –, que todo o homem que nasce é candidato a alcançá-lo e vivê-lo, porque para tal fim foi criado por Deus. Também reconhecemos que essa prerrogativa não pode resultar de uma pura conquista dos nossos méritos pessoais, proporcionados pela razão e pela vontade livre com que fomos dotados. O Céu, enquanto bem perfeito e infinito, supera a nossa capacidade natural de o atingir, que é sempre deficitária e de modo algum proporcional ao bem que o nosso criador nos concede, ao tornar-nos participantes da felicidade eterna. Por isso, dizemos com razão que o Céu é um dom de Deus.
E também sabemos que as almas bem-aventuradas não necessitam dos nossos sufrágios, porque já estão de modo definitivo no Reino os Céus. Podemos, sim, encomendar-lhes intenções, porque são intercessoras dos nossos pedidos junto da Santíssima Trindade. Não tem sentido, deste modo, o que uma célebre figura nacional do passado fez por ignorância: mandar celebrar uma missa por alma de
S. Francisco Xavier...
Mas em Novembro lembramos e pedimos também pelas almas daqueles que ainda não alcançaram a meta final e, no Purgatório, se preparam para entrar no Céu, com a garantia absoluta de que um dia chegarão à eterna companhia de Deus. Trata-se de almas santas, intercessoras também, que vivem um estado de purificação. São assim sofredoras, embora o seu padecimento nada tenha a ver com o desespero e a revolta, mas antes com o arrependimento, a penitência e o desagravo. Reconhecem com dor e objectividade as suas faltas, as suas debilidades, a sua pouca correspondência aos convites que Deus, na vida terrena, lhes fez para cumprirem a sua vontade. Erraram, ou, se quisermos, pecaram, mas aceitam e amam o juízo divino sobre a sua conduta com humildade, reconhecendo-o integralmente justo e, além de justo, misericordioso.
Certamente que não podemos ser testemunhas oculares ou presenciais dum juízo particular, isto é, do encontro de uma alma que deixa esta vida com Cristo, que lhe dará a conhecer o seu destino eterno. Mas sabemos que Cristo é Deus e que Deus tem uma infinita compreensão para connosco. É o nosso melhor amigo, é Quem mais nos ama. Recordemos que na agonia da Cruz, Jesus, pediu ao Pai que perdoasse a quem O condenara à morte, alegando que os seus algozes não tinham consciência do que estavam a fazer. “Pai, perdoa-lhes, porque não sabem o que fazem!” (Lc., 23,34) Parece que o seu único desejo é que o Pai, para além da justiça, manifeste, fundamentalmente, a sua misericórdia.
Pois assim apreciará Jesus a nossa conduta, no juízo particular. Aproveitará toda a pitada de mérito que tenhamos alcançado na nossa vida actual para a depositar no prato da balança da nossa salvação. E nele colocará também, movido pelo seu amor por nós, a sua infinita compaixão. Sentir-nos-emos perplexos com tal procedimento. Provavelmente, só então daremos conta, de forma nítida e objectiva, da qualidade e da profundidade do seu amor misericordioso por nós e da gravidade de O termos ofendido com tanta leviandade e injustiça. E compreenderemos também que, para enfrentar a pujança do amor divino no Céu, necessitamos de limar todas as arestas da nossa alma, já que nos impedem de receber o abraço divino em plenitude.
No mês de Novembro, rezemos e encomendemos as nossas intenções às benditas almas do Purgatório, como o povo cristão lhes chama, sabia e piedosamente.
Autor: Pe. Rui Rosas da Silva
Novembro, mês das almas
DM
1 novembro 2017