twitter

Novas formas de isolamento social

As classes profissionais sempre gostaram de chamar a atenção para carências nas suas áreas de trabalho, às vezes com algum exagero, para daí tirarem proveito... Nada de novo. São expedientes para ganhar a vida. As coisas têm o valor que têm e cada um é que tem de aprender a defender-se... Vem isto a propósito do exagero com que alguns técnicos verberam o uso de videojogos pelas crianças e adolescentes, com receio de que contribuam para prejudicar a sua socialização ou até criar dependências, depois da chamada de atenção da OMS, que advertia para o risco de uma nova forma de isolamento social. Atentos, sim, mas com bom senso e procurando compreender o contexto em que isso acontece, os motivos porque pode acontecer e as formas de os evitar. 1. Há muitas formas de isolamento e de solidão, sendo as mais chocantes as que se referem a pessoas idosas que antes ajudaram outros a crescer na vida e hoje ficaram abandonados e sem se poderem defender. A solidão física dos que vivem em locais que se foram desertificando, ficando apenas os mais velhos; e a solidão psicológica dos que, vivendo embora no meio de muita gente, em apartamentos de zonas densamente povoadas, vivem praticamente ignorados e sós. Mas, hoje, vai aparecendo uma nova forma de solidão: o auto-isolamento de adolescentes e jovens que se refugiam nos jogos virtuais e quase não interagem, de modo presencial, com os outros. Foi a estes casos extremos que se referiu, há dias, a OMS classificando “os distúrbios dos videojogos como uma forma de perturbação mental quando manifestam uma falta de controlo crescente, ao longo de um período superior a 12 meses e se tornam dependentes e mais ou menos desinteressados da realidade”. 2. Já se sabia, depois do estudo de condenados a regime solitário, que a solidão pode afectar o comportamento e o funcionamento do cérebro. Agora, este novo modo de isolamento virtual ameaça também fazer estragos. Porque acontecem estes casos? Por razões sociais e pessoais. E a dimensão pessoal parece a mais ignorada. Há, realmente, jovens que vivem muito ligados a redes sociais, mas têm pouco contacto real com os outros. Estão virtualmente acompanhados, mas realmente sós. Isso acontece sobretudo nos grandes contextos habitacionais. Nas aldeias, como há mais a cultura do encontro, as crianças, as poucas que há, conseguem mais facilmente brincar umas com as outras nos terreiros improvisados ou espaços das suas casas; mas, nos grandes centros habitacionais, isso não pode ser, porque os espaços de habitação dos apartamentos são reduzidos. O único local de encontro para as crianças e jovens destes centros habitacionais é quase só a escola. Fora disso, nem sempre dispõem de campos de jogos para conviver nem de condições para o fazer. Não podemos esquecer que há a preocupação de não saírem de casa sozinhos, por causa do receio de atropelamentos ou de raptos. É que isso é real… Então, como os pais estão no trabalho, só lhes resta o recurso de deixarem os filhos com os avós, se os tiverem, ou de os deixarem, depois da escola, em centros de ocupação, que são tudo menos lugares espontâneos lúdicos; ou então, irem para casa, depois de saírem da escola: ficam sós, mas com o apoio do telemóvel para falar com os pais e com tablet para brincar. 3. É neste contexto que surge a necessidade social dos telemóveis e do uso dos tablets pelas crianças para os pais poderem contactar com os filhos e para estes se poderem entreter mais facilmente em casa. A realidade virtual dos jogos informáticos substitui a realidade presencial dos amigos. Para além disso, há que ter também em conta a força motivacional destes jogos. Que o digam os mais velhos, que também não resistem a este apelo lúdico: em qualquer local aonde se vá, lá se encontram mais novos e mais velhos a jogar com o seu tablet. Não se pode, por isso, ser radical em relação ao uso dos telemóveis e dos tablets pelas crianças e pelos adolescentes sem conhecer a realidade social. Outra coisa, porém, é procurar equilibrar o seu uso para que se não criem dependências de personalidade, arranjando outras formas de conviver e brincar para os filhos (e aqui as autarquias têm um papel de responsabilidade na disponibilização de equipamentos sociais) para que os jogos virtuais não tendam para uma nova forma de isolamento social. São as tais situações extremas de que falava a Organização Mundial de Saúde. Não se deve, porém, esquecer a dimensão social e pessoal do problema. Porque todas as formas de dependência funcionam sempre como modos de compensação e toda a compensação pressupõe, pelo menos, a representação vivida de uma carência afectiva. É um facto que há crianças mais predispostas a terem dificuldade de se relacionar com os colegas e que, por isso, mais facilmente se refugiam nos jogos virtuais. É o lado pessoal da questão das dependências dos jogos virtuais que tem a ver com o ambiente familiar e que depois se conjuga com a dimensão social. Como se vê, criticar é fácil; encontrar soluções para resolver os problemas é que nem sempre é tão fácil.
Autor: M. ribeiro fernandes
DM

DM

1 julho 2018