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Nossa Senhora no coração dos literatos

Ao longo do tempo, resultado da leitura que vou fazendo, foquei, em linhas gerais, a devoção a Nossa Senhora desde os povos invasores da Península, reconquista cristã até ao final da Monarquia Portuguesa, apresentando, nas últimas crónicas, como modelo de fé a Deus e à Virgem Maria, a nossa última Rainha de Portugal, D. Amélia.

Agora, vou lembrar e frisar a crença exteriorizada na literatura ao longo dos séculos a Nossa Senhora, dando como exemplo tantos escritos que revelam e revelaram sempre a imagem Pura e Bendita da nossa “Rainha dos Céus – Tota Pulchra es Maria.”

Logo no século XII, os géneros da poesia trovadoresca galeco-portuguesa (sobretudo na zona geográfica dos reinos de Leão, Castela, incluindo a Galiza e o reino de Portugal) revelavam uma intimidade e um forte sentimento, saído da alma dos trovadores, a Nossa Senhora.

O sincretismo entre o profano e o religioso fazia-se sentir com as cantigas de amigo, de amor, de escárnio e de maldizer, mas eram as poesias, sobretudo, de amor dos Cancioneiros que mais transportavam a carga afetiva e mística ao culto da nossa Mãe do Céu, como que uma mulher encantadora e amada, influência herdada do cristianismo que elevara a mulher em geral da degradação social mantida nas civilizações antigas.

Contudo, a literatura litúrgica do culto à Virgem já vem do séc. IV como tema literário em poemas lírico-latinos, mas na literatura profana aparece muito mais tarde, no séc. XII.

A Virgem Maria foi sempre a fiel intercessora entre o Céu e a terra para os cristãos. Santo Ambrósio (séc. IV), segundo algumas fontes, seria o iniciador, aqui no Ocidente, da entoação de cânticos pela assistência no decorrer dos ofícios divinos. Realça-se, por outro lado, a intervenção de S. Dâmaso (ao que tudo indica, natural de Guimarães, contemporâneo de Santo Ambrósio, eleito Sumo Pontífice “37.º”no dia 1/10/366 e o final do pontificado em 11/12/384) que, segundo o nosso escritor Teófilo Braga, «fez… uma revolução profunda na poética romana», introduzindo o verso octossílabo para se adaptar mais à versão popular.

Tudo leva a crer, segundo os eruditos que escreveram a obra que estou a ler, que Portugal, neste âmbito e em tantos outros, foi pioneiro e deveras exemplar como das primeiras vozes a entoar aos céus preces em louvor de Nossa Senhora. R. A. Nicholson, falecido em 1945, afirmou “que foi Portugal uma das Nações em que mais antigamente a expressão popular se modelou em formas literárias.”

Pena é que os literatos cultos e palacianos não reunissem, com certeza, tantos cancioneiros orais nas suas coletâneas por entenderem que não obedeciam às regras da arte poética, dando primazia às composições dos eruditos como é o caso do nosso rei trovador, D. Dinis (um dos seus livros era totalmente dedicado à Virgem), sendo encontradas, na Torre do Tombo, sete canções trovadorescas de D. Dinis (fundou a primeira Universidade em Lisboa, em 1290, obrigando o uso da Língua Portuguesa nos documentos que eram, até então, escritos em latim) do ano de 1300 com anotações musicais. A

pesar de tudo, ainda se conservaram Cantigas de Romaria, Barcarolas (composições poéticas), Diálogos, Cantares de Amigo… onde as melodias dos Salmos e dos versículos sagrados eram adaptadas à participação popular nos rituais religiosos à “Virgem e ao Seu Divino Filho” e que sofriam, em determinados casos, certos arranjos artísticos por Trovadores (compositores de letras e de músicas das cantigas), Segréis (cantam e executam as cantigas dos trovadores, mas também executam as suas próprias cantigas) ou, ainda, por jograis mais próximos da Corte.

As cantigas da Santa Maria, cancioneiro com centenas de composições dedicadas à Virgem Maria, enriquecido pela respetiva música e algumas iluminuras, são a prova da fé e da entrega a Nossa Senhora e à Divina Providência.

Esta obra compilada com cantigas do Rei D. Afonso X de Leão e de Castela, mas também, segundo algumas fontes, de outros trovadores, inclusivamente de poetas portugueses que frequentavam a Corte Afonsina, pois alguns milagres, que são referidos, aconteceram em Portugal como, por exemplo, em Alenquer com um clérigo trovador do tempo de D. Sancho que, a partir desse momento, se entregou, como trovador à Virgem Santíssima.

Santo António, o Santo com uma obra também dedicada a Maria, foi distinguido, entre os Doutores da Igreja, com o título de Doutor da Assunção, português que teve a honra de acolher nos seus braços o Filho da Virgem Maria.

D. João I escreveu também um livro de “Horas de Santa Maria, infelizmente perdido, mas testemunhado pelo seu filho D. Duarte que, pela sua integridade moral, não é lícito duvidar. Expõe, ainda, D. Duarte, no Leal Conselheiro, as regras para se redigir com arte e as quatro razões que, segundo ele, fundamentam o facto de Nossa Senhora ser concebida sem pecado original. No Cancioneiro Geral de Garcia de Resende (palaciano) não faltam, também, escritos dedicados à Virgem Maria.

Principal fontedestas crónicas: “Fátima Altar do Mundo”, 3 volumes, sob a direção literária do Dr. João Ameal da Academia Portuguesa da História; direção artística de Luís Reis Santos, historiador de arte e diretor do Museu Machado de Castro, Coimbra; realização e propriedade de Augusto Dias Arnaut e Gabriel Ferreira Marques, editada pela Ocidental Editora, Porto, em 1953.


Autor: Salvador de Sousa
DM

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16 maio 2018