Não me preocupa sobremaneira se é o partido A ou o partido B, a geringonça X ou a geringonça Y que vai governar após as recentes eleições legislativas; até porque os programas e processos eleitorais que foram apresentados aos eleitores, como todas as promessas ajuramentadas, dificilmente são para ser aplicados e cumpridos, pois, como bem sabemos, o que move os partidos é mais o oportunismo e a conveniência de ocasião do que a coerência e ação ideológica; e, depois, como membros da União Europeia, não passamos de uns paus mandados e de fraca natureza e resistência.
Preocupa-me sobremaneira, isso sim, os níveis de abstenção ao ato eleitoral, os mais elevados em 40 anos de exercício democrático, excetuando as votações para o Parlamento Europeu; e, pasme-se, foram perto de cinco milhões de portugueses, quase metade dos eleitores, que viraram costas ao dever/direito de ir às urnas, depondo, assim, a sua arma de defesa dos seus direitos, o seu voto, e de ataque contra a incompetência, o arbítrio, as incógnitas governativas nas mãos dos outros.
Mas, então, porquê este alheamento, esta indiferença, este desinteresse, esta desmotivação pelo ato eleitoral que mais diretamente tem a ver com o dia-a-dia, a vida e o futuro do país? E, obviamente, que mais fundo mexe com as preocupações, os anseios e as necessidades de cada um de nós?
Muito se tem especulado sobre esta forma de procedimento, aventando-se as mais variadas hipóteses: descrença, insensibilidade, descrédito e, até, desprezo pela política e pelos políticos; e, mais grave ainda, a opinião crescente e aceite de que os homens da política são todos iguais e andam todos ao mesmo: tratar da sua vidinha e dos seus, arranjar bons empregos e reformas, viver à custa de quem lhes dá o voto; e sobretudo, praticando o compadrio, o arranjismo e a corrupção, impunemente, dadas as dificuldades e constrangimentos com que a Justiça tem de atuar.
Agora, este virar de costas ao exercício democrático de votar e lutar pelos seus direitos pode acarretar o perigo óbvio do país regressar a um regime ditatorial, não de direita, mas de esquerda com as consequências de todos bem conhecidas e que a história dos povos regista: perda da liberdade, aumento das desigualdades, repressão e supressão do pensamento livre; e isto se pode constatar facilmente devido ao avanço e crescimento eleitoral dos partidos de esquerda e de extrema-esquerda com evidente recuo dos partidos do centro, centro-esquerda e centro-direita.
Pois é, igualmente me preocupa e intriga que os partidos que mais se intitulam defensores do povo e dos seus direitos não esclareçam devidamente os eleitores sobre a importância de ele participar ativa e diretamente na vida democrática; e, mormente, incentivá-lo a exercer o seu direito/dever de votar ou seja escolher o seu futuro e dos seus filhos, impedindo, assim, que os seus inimigos não alcancem o poder.
Até parece que preferem um povo amorfo, inculto e ignorante que não reivindica, não vota, não vai à luta; um povo que através da abstenção lhes facilite a vida, pois seja qual for a percentagem de votantes, eles sempre governam e sempre se governam a si próprios e aos seus, deixando que os grupos a que pertencem igualmente puxem as melhores brasas às suas sardinhas; e lhes deixe margem de manobra para fazerem e aprovarem as leis mais ao seu jeito e gosto, facilmente impondo a prática das suas ideologias.
Começa-se já a aventar a hipótese de tomar o voto obrigatório ou, mesmo, de conceder benefícios a quem não se abstiver de votar; e estas ideias partem de politólogos e de fazedores de opinião que não da vontade e decisão dos políticos; porque estes sabem muito bem que é mais fácil e cómodo governar um país de analfabetos do que um país de homens e mulheres cultos e letrados.
Penso, todavia, que este não será o melhor e mais seguro caminho para combater a abstenção, se mais não fora pelas implicações individuais e sociais que acarreta; mas, antes, o caminho mais certo e seguro, sinceramente penso, passa por esclarecer, incentivar, entusiasmar e doutrinar o povo, ou seja, tomá-lo, mais exigente, mais participativo, mais informado e culto; e para o que, sejamos honesto, já ontem era tarde.
Entretanto, enquanto a orquestra toca e o povo canta e dança, o país vai-se afundando inexoravelmente.
Então, até de hoje a oito.
Autor: Dinis Salgado
No rescaldo do pós-eleitoral

DM
16 outubro 2019