As eleições para o Parlamento Europeu PE) que decorreram entre os dias 23 e 26 do mês em curso em todos os países da União Europeia (EU), pelas transformações que podem operar no nosso futuro coletivo, merecem uma reflexão cuidada e atenta.
Salta à primeira vista a grande abstenção que, apesar de em muitos países ter descido, continuou a aumentar em Portugal e ainda se situar em patamares bem longe da participação que a sua importância exigiria.
Importância que advêm do projeto europeu, sobretudo a partir da crise económica e financeira com início em 2008, estar profundamente ameaçado. Ameaças que resultam da crise da moeda única não estar ainda verdadeiramente resolvida, da invasão de refugiados e migrantes, do referendo britânico de 2016 que ditou a saída do Reino Unido da UE e da eclosão um pouco por todo o lado de movimentos xenófobos e racistas que o tentam pôr em causa.
Se a todas estas causas, que parecem bem evidentes, juntarmos a onda de profundas transformações sociais que temos tido oportunidade de testemunhar, talvez possamos encontrar as razões de boa parte da população portuguesa e dos outros países europeus para o alheamento a que devota o escrutínio para o Parlamento Europeu.
Logicamente, mesmo numa breve análise, não se devem ignorar motivos mais distantes para esta verdadeira crise de identidade que põe em perigo a União Europeia como projeto de bem-estar, de progresso e de paz. Desde cedo que esta construção é acusada de se se ter feito de forma pouco democrática e até, muitas vezes, ao arrepio da vontade dos povos.
É nesta amálgama de circunstâncias a que se junta uma diferente composição do PE, saída das eleições terminadas no último domingo, que decorrerão as negociações para dar corpo aos diferentes órgãos da União Europeia. Ninguém terá dúvidas de que o reforço de formações populistas e nacionalistas e a fragmentação parlamentar não irão facilitar a obtenção dos consensos necessários para colocar de novo o projeto europeu nos carris do desenvolvimento e da solidariedade.
Nesta verdadeira encruzilhada, é de prever que o processo de instalação dos novos dirigentes das instituições europeias seja bem mais demorado provocando não só muitas expectativas, como também um arrefecimento económico já espelhado nas bolsas e outros mercados financeiros.
Até lá, resta-nos esperar que a União Europeia seja preservada, mantenha a sua matriz e possa retomar o caminho sonhado pelos seus principais fundadores.
Quanto ao desprendimento das populações pelas questões europeias e nem só, impõe-se que desta vez os dirigentes políticos saibam assumir as responsabilidades que lhes cabem e tudo façam para inverter uma tendência que corre o risco de pôr em causa a liberdade e a própria democracia.
Ajustar as propostas programáticas aos verdadeiros interesses da população e adaptar a linguagem de modo a ser um verdadeiro veículo de comunicação pode ser um meio de chegar mais facilmente ao cidadão. Combater a retórica e o compadrio e privilegiar a transparência serão outras vias para aproximar candidatos e eleitores. Fazer campanhas de maior proximidade e de cariz mais pedagógico levará certamente a mais participação.
A cada cidadão cabe uma ação introspetiva, no sentido de fazer uma autocrítica das suas obrigações para com a sociedade onde está inserido e, numa atitude didática, dar combate a frases ouvidas de muita gente como “os políticos são todos iguais”, “só olham para si”, “são todos corruptos”, “querem todos o mesmo”.
Se tudo isto falhar, há que encontrar outras formas de combater um fenómeno que cada vez mais põe em causa a democracia representativa. Sanções ou impedimentos para quem não votar e, em última instância, voto obrigatório.
Enfim, impõe-se tratar este crescente fenómeno de distanciamento como uma verdadeira emergência na construção de uma cidadania ativa e responsável.
Autor: J. M. Gonçalves de Oliveira
No rescaldo das Eleições Europeias
DM
28 maio 2019