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No dia do pai

Porque amanhã é o dia do Pai, celebremos com a mesma autenticidade quer a sua ausência, quer a sua presença, na certeza e convicção de que numa família organizada, sólida e operativa ele tem um papel determinante, imprescindível e ativo; e, então, nas famílias modernas onde as dificuldades estruturais e funcionais abundam, a sua ação, constância e solicitude devem pairar como andaime e pilar de sustentação. Porém, sempre me intrigou a circunstância de os poetas raramente ou nunca cantarem os pais nas suas qualidades, urgências e ternuras; mas, às mães sempre dedicaram inflamados e explícitos poemas que o tempo consagrou e eternizou. Por exemplo, quem não se lembra destas quadras que, ainda crianças, nos transmitiam o amor incondicional e insubstituível da mãe: Com três letrinhas apenas / se escreve a palavra mãe / que é das palavras pequenas / a maior que o mundo tem; ou ainda: Minha mãe é pobrezinha / não tem nada que me dar / dá-me beijos, coitadinha, e no fim põe-se a chorar; ou finalmente: O minha mãe, minha mãe, / ó minha mãe, minha amada / quem tem um mãe tem tudo / quem não tem não tem nada. Não quero, porém, deixar de recordar, aqui, o poema que Miguel Torga dedicou à mãe, aquando da sua morte. Mãe: que desgraça na vida aconteceu / que ficaste insensível e gelada / que todo o teu perfil se endureceu / numa linha serena e desenhada / como as estátuas que são gente nossa / cansadas de palavras e ternura / assim tu me pareces no teu leito / presença cinzelada em pedra dura / que não tem coração dentro do peito. Chamo aos gritos por ti – não me respondes, / beijo-te as mãos e o rosto – sinto frio. / Ou és outra ou me enganas ou te escondes /por detrás do terror deste vazio. Mãe: abre os olhos ao menos diz que sim. / Diz que me vês ainda que me queres / que és a eterna mulher entre as mulheres / que nem a morte te afastou de mim. Talvez procurando uma explicação para este facto, ele se encontre no apego profundo, umbilical, no amor incondicional às mães que se inicia no útero e se prolonga e se cimenta nos primeiros tempos de vida, onde a ligação mãe/filho é constante, intensa e generosa; e, embora modernamente os pais já apareçam mais e marquem espaço e presença mais ativos nos primeiros anos de vida dos filhos, esta circunstância em nada ou em muito pouco tem mudado este amor, esta ligação que poderemos dizer insubstituível. Pois é, esta pode bem ser uma explicação para o facto de os poetas, ao longo dos tempos, nunca terem cantado os pais ou o fizeram excecionalmente; todavia, pode bem acontecer que, dada a circunstância dos pais modernos ocuparem um lugar mais central e mais constante na vida dos seus filhos, os futuros poetas ganhem estro e os venham a cantar. Ora, como esse tempo, porventura, já não será o meu, então e porque amanhã celebramos o seu dia, vou atrever-me, embora não me julgando poeta e muito longe me sinta fecundado pelas musas, a cantar, aqui e agora, o meu querido pai. Meu Pai Quando partiste o céu se escureceu E, à minha volta, o mundo inconsequente, Alheio e mudo ao meu apelo ingente De te ressuscitar, não respondeu. Sempre foste um bom Pai, um corifeu Da honra e da verdade e, obviamente, Nos bons e maus momentos tão presente Em dom de santidade, dom do Céu. E agora, avô de prole muito amada Perto já vejo a tal Curva da Estrada Dos dias que me restam tão fugazes, Sentindo tão presente a solidão E o luto que me leva ao coração O vazio da falta que me fazes. Então, estimem e amem vosso5 pais e até de hoje a oito.
Autor: Dinis Salgado
DM

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18 março 2020