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No dia de S. Martinho...

De S. Martinho de Tours, com memória litúrgica no próximo dia 11, talvez alguns só conheçam os ditados populares: “No dia de S. Martinho, vai à adega e prova o vinho”; “No dia de S. Martinho, lume, castanhas e vinho”; “No dia de S. Martinho, mata o teu porco e bebe o teu vinho”. Poucos saberão que é o patrono dos alfaiates, dos soldados e dos pedintes. Contudo, os crentes devem saber mais e fazer do seu modo de viver um paradigma de vida cristã.

Nasceu na Sabária da Panónia (atual Hungria), no ano 316, de uma família pagã. Seu pai era oficial do exército romano e, por isso, teve que deslocar-se para Pavia. Foi aí que o filho recebeu a primeira educação e teve contacto com o cristianismo. Aos 10 anos, pediu para se fazer cristão, mas não lhe foi concedido. Procurando desviá-lo de tal intento, aos 15 anos, o pai alistou-o na cavalaria do exército imperial. Contudo, não logrou o seu objetivo: entre os 15 e os 18, o filho frequentou a preparação para o batismo (catecumenado) e já vivia os ensinamentos cristãos, sobretudo a caridade.

Por essa altura, estando em serviço militar na cidade de Amiens (Gália), depois de um passeio matinal pelos arredores, deparou-se com um pobre, meio nu, que lhe estendeu a mão, pedindo esmola. Era inverno. Martinho tirou a capa, cortou-a ao meio com a espada e entregou metade ao mendigo. Diz Sulpício Severo, o seu biógrafo, que o sol, até então encoberto, brilhou de forma intensa (daí o “verão de S. Martinho”) e que, nessa noite, Martinho dormiu melhor do que nunca e teve um sonho: Jesus apareceu-lhe, vestido com a metade da capa que dera ao mendigo. Sensibilizado, deixou o exército e dedicou-se, por inteiro, à vivência e proclamação da fé cristã. Como já tinha feito o catecumenado, foi batizado de imediato, em Amiens, na Páscoa de 339. Exonerado da sua obrigação militar, em 341, mudou-se para Poitiers, onde o bispo Hilário o ordenou sacerdote.

Voltou, por algum tempo, à sua pátria para evangelizar familiares e amigos. No regresso, em 355, soube que Hilário tinha sido desterrado para Milão, porque se opunha ao arianismo (doutrina antitrinitária, condenada no Concílio de Niceia, em 325). Retirou-se para a ilha Galinária, em frente de Génova, onde soube que Hilário tinha regressado à sua diocese. Decorria o ano 360, quando voltou para Poitiers. Hilário permitiu-lhe que se refugiasse em Ligugé, nos arredores da cidade, onde viveu, durante 11 anos, numa cabana, entregue à oração e à penitência. Porque recebeu muitos discípulos, esse mosteiro tornou-se o primeiro das Gálias e o berço do monaquismo ocidental.

Quando, em 371, contra sua vontade, foi aclamado bispo de Tours, fundou, junto da cidade, o mosteiro de Marmoutier, onde tinha uma cela de madeira e um pequeno jardim. Era esse o seu paço episcopal! Desse centro de civilização e evangelização, partiu S. Patrício para o anúncio do Evangelho, na Irlanda.

Faleceu no dia 8 de novembro de 397, em Candes, pequena povoação no departamento de Indre-et-Loire, quando ali se encontrava numa missão de pacificação do clero. Foi sepultado em Tours, a 11 de novembro, pelo que a sua memória se celebra nesse dia. É o primeiro santo canonizado não mártir e um dos mais venerados do cristianismo, como o provam as muitas Igrejas que, em França e por todo o mundo, lhe são dedicadas e as muitas localidades a que dá nome, por ser o seu orago. Entre nós, os beneditinos de Tibães em muito contribuíram para isso.

Diz-se que a metade da capa com que Martinho ficara, depois de ter dado a outra ao pobre, foi guardada num oratório que passou a chamar-se “capela” (do latim tardio cappella: capinha). Ainda hoje designamos assim as pequenas igrejas ou oratórios.

Da história e da lenda que lhe andam associadas, podemos recolher três ideias fundamentais e outras tantas orientações para a vida cristã:

- a firmeza das convicções: os pais não queriam que aderisse ao cristianismo, mas ele agiu como mandava a sua consciência;

- a concretização da fé: a partilha da capa foi o que a tradição destacou, mas praticou tudo o resto, pois sabia que “a fé sem obras está morta” (Tg 2, 20);

- a iluminação da vida dos cristãos: parece ser esse o significado mais profundo e a provocação mais acutilante da lenda do “verão de S. Martinho”.


Autor: P. João Alberto Correia
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8 novembro 2021