No cimo do Picoto estão uma cruz e uma estrela. A estrela lembra-nos o nascimento de Jesus e a cruz aponta para a sua morte. É o princípio e o fim da vida de Jesus. No lago das Arcadas avulta reluzente um abeto. Confesso que gostava mais ver ali, em vez de um abeto, uma cabana evocativa do lugar do nascimento. Ainda em tempos próximos, o pinheiro era rei neste simbolismo português. Mas, se trocaram o Menino Jesus pelo Pai Natal da Lapónia para evocação do seu nascimento, lá saberão porquê. Eu não sei. Dizem, já à guisa de desculpa, que o Pai Natal é a representação de São Nicolau. Mas mesmo que assim seja não foi Nicolau que nasceu em Belém, foi o filho de José e Maria. Gostaríamos que em vez de ensinarem as nossas crianças a receberem do Barbudo os presentes do Natal, os recebessem do Menino Jesus, o mesmo que descia pela chaminé e pé ante pé os depositava “nos sonhos das crianças” e não no sopé do pinheiro de plástico, embonecado; antes na cabaninha onde se deita o Menino pobre. Na verdade, se há Natal, é porque houve um Menino que faz anos que nasceu e que merece receber presentes como qualquer um de nós em dia de aniversário natalício. Devia receber e não dar. Há aqui algo que está trocado como se vê; trata-se de um Menino pobre que nasceu numa gruta e teve como teto uma cabana e que, por este motivo, não tem dinheiro para dar presentes a meninos ricos. Quantas vezes mais ricos! No cimo do Picoto lá brilham a estrela e a cruz. Resplandecem nas suas luzes feéricas e marcam um trajeto da vida de um martírio sem exemplo. Na história bíblica, os reis que vieram de longe para ofertar o Menino, marcaram, pela primeira e última vez, como um ideal pode vencer o poder e a riqueza. A cruz é o ómega de uma vida; fez de um Menino pobre a riqueza de uma vida espiritual. Mas, por muito que se diga, pense ou historie, a história do Menino Jesus está secundarizada pela tradição do Pai Natal, pelo abeto, pelas prendas cada vez mais tecnológicas e cada vez ofertadas em tenra idade, pelas luzes das cidades e, mais que isto, pelo natal gastronómico. Penso ainda que os católicos poderiam salvar o seu Menino se depositassem a seus pés as prendas que depois chegariam a casa dos meninos pobres de cada localidade. São as rosas de Santa Isabel caídas do regaço da solidariedade para com os meninos pobres deste e de outros natais vindouros. Há nisto um sonho de Natal. Não me acordem, por favor.
Autor: Paulo Fafe