No dia 18 de Dezembro do ano findo, no Salão Nobre da Relação de Coimbra, por iniciativa deste Tribunal e com o incentivo e apoio da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, foi prestada uma solene homenagem, no centenário do seu nascimento (15/12/2019), a uma grande personalidade nacional que foi ministro da Justiça do Estado Novo (entre 1954 e 1967) e catedrático ilustre daquela faculdade e que tive a honra e o privilégio de ter tido como professor – o Prof. Doutor João de Matos Antunes Varela.
Independentemente de ter integrado governos de um regime autocrático, é inegável que foi um dos maiores civilistas portugueses de todos os tempos, cujo ensino marcou e continuará marcando várias gerações de alunos daquela e doutras faculdades de Direito e juristas, magistrados, advogados e outros operadores judiciários de Portugal e dos diversos países de língua oficial portuguesa. E que deixou uma obra exemplar na Justiça, na esteira de dois outros grandes académicos e homens públicos que o precederam na mesma pasta – os Doutores Manuel Rodrigues e Manuel Cavaleiro de Ferreira, aquele da dita faculdade conimbricense e este da de Lisboa, a quem a história pátria atribui uma boa parte da consolidação do regime saído da ditadura militar de 28/05/1926.
Para além da sua tese académica e das suas lições e obras doutrinais, no âmbito do direito civil e do processo civil, entre as quais é justo destacar os títulos “Das Obrigações em Geral” e “Código Civil Anotado”, que conheceram várias reedições, importa relevar que o Prof. Antunes Varela, para além de ter sido e continuar a ser um dos jurisconsultos mais citados pela jurisprudência, pelos advogados e outros profissionais do foro e pela doutrina, desempenhou uma acção notável na pasta da Justiça que em boa hora sobraçou.
Centrando a sua acção nos equipamentos e logística dos tribunais e demais serviços da justiça (cadeias, cartórios notariais, conservatórias, centros educativos, etc.), cujo estado de degradação material era, na sua generalidade, notório, promoveu e executou uma vastíssima obra de restauração material que permitiu dotar o país de dezenas de palácios da justiça (inaugurou 47 e deixou muitos outros projectados, alguns já em fase de construção adiantada), casas de magistrados, estabelecimentos prisionais, conservatórias e cartórios notariais.
No plano legislativo, foi activo participante e principal responsável por um notabilíssimo movimento de renovação. Sem se cingir à mera aprovação de projectos elaborados pelos serviços do seu ministério ou por comissões especiais que nomeou, participou e presidiu a inúmeras sessões de trabalho de comissões revisoras, entre as quais as do Código Civil, Código de Processo Civil e da parte geral do futuro Código Penal, redigiu pelo seu próprio punho os mais importantes diplomas então dimanados do ministério – Código Civil de 1966, Código de Processo Civil, Códigos do Registo Predial, Civil e do Notariado, Código das Custas Judiciais, Lei da Nacionalidade, Estatuto Judiciário e Lei das Infracções Anti-Económicas, entre outros – e foi um dinâmico promotor das novas gerações de arquitectos e artistas durante o Estado Novo, entre os quais se contaram alguns opositores do regime.
Quando passam 200 anos sobre a Revolução de 1820, de que uma das marcas-de-água, no plano do constitucionalismo liberal e do moderno Estado de Direito democrático, assenta na instituição do princípio fundamental da separação de poderes (legislativo, executivo e judicial), não deixa de ser curioso e até irónico constatar que foram os governos do Estado Novo – e não os liberais nem os republicanos – quem mais contribuiu para a autonomização dos tribunais e serviços afins, retirando-os das velhas e degradadas instalações nos Paços dos Concelhos em que se integravam e dos quais dependeram até ao fim do Antigo Regime.
Por tudo isto, foi bonito e foi importante e pedagógico ver associadas a esta oportuna e merecida homenagem a Senhora Ministra da Justiça, o Senhor Presidente do Supremo Tribunal de Justiça e as mais altas individualidades nacionais do sector judicial e da academia e município conimbricenses e ler e ouvir as justas e elogiosas palavras que todos os oradores dirigiram ao homenageado, com particular relevância para o daquela governante.
Na praxe protocolar da academia coimbrã, costuma dizer-se que “só dá honras quem tem honras”. Registo, por isso, com agrado que a Relação e a Universidade de Coimbra, com a prestimosa colaboração da Secretaria Geral do Ministério da Justiça, se tenham assim honrado com a homenagem a tão excelsa figura de jurista, de docente universitário e de estadista.
Antunes Varela merece a gratidão do país e as honras da memória colectiva. E merece ainda o preito de homenagem dum seu humilde aluno e grande admirador.
Autor: António Brochado Pedras