1. De bom grado me refiro a efemérides (figuras, livros ou eventos) de relevância para a humanidade, e não poderia deixar passar os 550 anos do nascimento de Copérnico (19 de Fevereiro de 1473), em Torún, cidade próxima do Báltico, na Polónia. Como constatámos quando lá estivemos, a cidade deslumbra pelas praças e ruas de traça medieval, também uma cidade universitária desde 1945, com a fundação da Universidade Nicolau Copérnico, que acolhe cerca de 20 mil estudantes.
Copérnico, matemático, astrónomo, filósofo, médico, e cónego da Igreja Católica, ingressara, aos 18 anos, na Universidade de Cracóvia, então capital da Polónia, famosa pelos estudos de matemática. Recorde-se que a América foi descoberta quando Nicolau tinha 14 anos, pelo que se entende bem, então, pelas viagens marítimas, que o estudo da astronomia fosse crucial; se Cracóvia era uma cidade cosmopolita, que fervilhava de visitantes, vindos de todos os recantos da Europa, desde intelectuais a mercadores e artesãos, a universidade atraía estudantes oriundos da Alemanha, Suécia, Hungria, Suíça e Itália. Aos 24 anos, ruma para a Itália, onde vai estudar direito canónico na Universidade de Bolonha, regressando à Polónia em 1501, ordenando-se sacerdote, cónego na Catedral de Frauenburg depois. Aos 30 anos volta a Itália e estuda matemática e medicina nas Universidades de Ferrara, Pádua e Roma, mas já desenvolvia pesquisas sobre o universo. De vez na Polónia (1506), utiliza a torre da Catedral de Frauenburg como observatório enquanto congeminava a sua nova teoria, sítio que ficou conhecido como “Torre de Copérnico”; para as observações, recorria a instrumentos que ele próprio inventava, antes ainda da invenção do telescópio.
2. As posições dos planetas e do Sol sempre foi um tema inquietante na Antiguidade. Já Aristarco de Samos (310-250 a.C.) havia enunciado uma teoria próxima do heliocentrismo – o seu nome foi dado a uma cratera na Lua (em homenagem) –, cujos escritos se perderam no incêndio da Biblioteca de Alexandria; alguns séculos depois, Hipátia de Alexandria (360-415 d.C.) retomou as ideias de Aristarco, porventura a primeira mulher conhecida a tratar destes temas (porventura assassinada por isso).
Em 1512, Copérnico escreve Commentariolus, onde se lê: "Todas as esferas giram em redor do Sol, que se encontra no meio de todas elas […] Qualquer movimento que apareça no firmamento não deriva de nenhum movimento do mesmo, mas do movimento da Terra". Esse “Pequeno Comentário” (subtítulo do escrito) circulou como manuscrito, não publicado na vida do autor: se receava ser condenado, também era perfeccionista (repetia à exaustão experiências e cálculos) da sua teoria heliocêntrica, segundo a qual é o Sol (helios, em grego), e não a Terra, o centro do universo. Vigorava então a teoria geocêntrica de Ptolomeu (a Terra como planeta estático no centro do Universo, em volta da qual orbitavam corpos celestes), conforme ao Almagesto, obra que permaneceu como texto definitivo sobre astronomia por 1500 anos.
Nicolau advertia que as aparências por vezes enganam: se vemos o Sol girar (e o céu estrelado) é pela rotação diária da Terra sobre si mesma; se o movimento se repete a cada ano, é pela translação da Terra; e se vemos planetas com movimentos estranhos no céu, é porque vemo-los a girar em redor do Sol de outro planeta também em movimento; e foi Copérnico o primeiro a designá-los: Mercúrio, Vénus, Terra, Marte, Júpiter e Saturno (os seis então conhecidos).
3. A grande inovação da teoria foi abrir a porta à aplicação das matemáticas na astronomia; a obra que a compendia é “De Revolutionibus Orbium Celestium” (“Sobre as Revoluções dos Orbes Celestes”), concluída em 1530 e publicada em 1543, traduzida (Fundação Calouste Gulbenkian, 2014, 3ª edição, 690 páginas). No Prefácio (ao Papa Paulo III), lê-se: "E se, por acaso, houver vozes loucas que, apesar de ignorarem totalmente as matemáticas, se permitam, mesmo assim, um julgamento acerca destas lucubrações e ousem censurar, atacando o meu trabalho a pretexto de algum passo da Escritura, malevolamente distorcido em vista ao meu propósito, eu não lhes dou importância nenhuma, a ponto de desprezar até o seu juízo como temerário." Conta-se que o 1º exemplar impresso chegou às mãos do autor no último dia de sua vida, 24 de Maio de 1543, fruto duma vida dedicada à observação das estrelas, exercendo esporadicamente a medicina para socorrer os menos favorecidos.
Copérnico foi, sem o querer, um dos grandes revolucionários na história da ciência. A teoria heliocêntrica operou uma mudança radical não só na concepção cosmológica mas também antropológica. Como escreveu o físico e filósofo Thomas Kuhn, n’A Revolução Copernicana, "a importância do De Revolutionibus reside, então, menos naquilo que ele próprio diz do que no que levou os outros a dizer. O livro deu origem a uma revolução que apenas se enunciara. É mais um fazedor de revolução do que um texto revolucionário."
Autor: Acílio Estanqueiro Rocha