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Nem democracia sem ciência, nem ciência sem democracia no combate às alterações climáticas

O título que inaugura este texto não é uma originalidade do autor. Não é, sequer, prenúncio do tema abordado. Poderia, debaixo do seu guarda-chuva, escrever-vos sobre a sociedade do conhecimento, a luta democrática e os desafios ultrapassados nos últimos séculos à sombra do iluminismo: mas esse, apesar de ser o chão que dá asas ao restante, não é o tema.

Estive, por feliz coincidência, na passada semana, no Fórum Socio-Ecológico de 2021 na Macedónia do Norte cujo principal tema era, como poderão adivinhar, o combate às alterações climáticas e os seus impactos sociais. E foi precisamente nesse contexto que o primeiro-ministro da República do Kosovo soltou a frase que inspira este texto – “Nem democracia sem ciência, nem ciência sem democracia”. No seu pensamento ela servia, essencialmente, para justificar a dificuldade que o seu país teria em acelerar a descarbonização a partir da eliminação do carvão como principal fonte energética. Constatava, aliás, que num país altamente dependente desta fonte – da qual é produtor – seria sempre difícil alterar o mix energético que compõe a sua economia. Queria com isto transmitir a todos os ouvintes que, apesar de reconhecer as vantagens ecológicas de acelerar o combate aos combustíveis fósseis, o seu povo reconhecia igualmente que essa aceleração significaria, no curto termo, uma perda no seu poder económico, no seu bem-estar, bem como na soberania do país – ao trocar um recurso existente em alternativa a um do qual não dispõe (por exemplo, gás natural).

E é nesta ambição e nesta retórica, perante a qual todos devemos ser sensíveis, solidários e razoáveis, que reside o principal problema. Não há, infelizmente, mais tempo para discutir por dezenas de anos se o combate às alterações climáticas faz sentido: a ciência já nos provou que faz, como demonstra o último relatório do IPCC. Porém, se por um lado, a ciência é bem evidente, a perceção pública não o é. O imediatismo tem substituído, nas mais diversas opiniões públicas, o pensamento a longo prazo e ameaçado a sustentabilidade do planeta e a sobrevivência da humanidade. E tal acontece, sobretudo, por falta de liderança política incisiva, por falta de diálogo e cooperação e, também, por falta de uma educação eficiente para o tema.

Falta de liderança porque, na necessidade de vencer qualquer eleição, o ser político tem-se tornado incapaz de dizer ao seu povo o contrário do que este quer ouvir. Falta de diálogo e de cooperação porque as soluções para combater as alterações climáticas não podem ser iguais nem padronizadas – podem e devem ser ajustadas aos recursos de cada país, ao seu potencial energético e às suas necessidades. E falta de educação, coletiva e individual, porque depois de décadas a falar sobre a urgência climática ainda muito pouco fizemos.

Em todos os cenários previstos até 2021, o planeta deverá aquecer não menos de 1-1,8ºC face a níveis pré-industriais podendo chegar aos 5,7ºC caso nada seja feito. Os estudos mostram que tal provocaria uma mudança dos ecossistemas sem precedentes nos últimos 3 milhões de anos. Infelizmente, já hoje, por todo o mundo, sentimos uma amostra das consequências – da escassez de água potável às secas prolongadas, do aumento da temperatura às cheias e tempestades recorrentes e inóspitas, da erosão costeira às avalanches em territórios montanhosos. Isto para não mencionar os efeitos do depósito, em média, de 15 toneladas de plástico por minuto nos oceanos.

Se o diálogo e a cooperação não forem retomados, se as convenções não forem respeitadas, se o esforço do setor público e do setor privado não se fizer para bem dos consumidores e dos cidadãos, então não nos restará qualquer opção. E não, não serão apenas o planeta e as restantes espécies a sofrer com o nosso constante egoísmo e indiferença. Seremos nós os principais culpados pela extinção da nossa espécie.

Não somos a primeira geração a enfrentar o problema, mas somos a última que o pode resolver. Haja vontade.


Autor: Bruno Gonçalves
DM

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8 outubro 2021