1. A comemoração do Natal tem uma tal riqueza de significado antropológico e espiritual que envolve toda a vida das pessoas e deu origem às mais variadas formas culturais. Destacam-se, desde logo, a culinária e a doçaria de Natal e a tradição de oferecer e trocar prendas. Há quem critique com radicalidade eventuais exageros destas tradições, contrastando com a simplicidade do evento histórico. Em primeiro lugar, é preciso não descontextualizar esse acontecimento e, depois, mesmo não negando que haja exageros, (em tudo os pode haver, até na maneira como os criticam), não esquecer que a expressão das necessidades começa pela base da pirâmide e que, se não houvesse a energia polarizadora do Natal por detrás dessa onda de entusiasmo, ela perdia força e razão de ser. De resto, sempre houve algum consumismo à volta da festa do Natal; a melhoria do bem-estar económico é que o faz aumentar. Bem vistas as coisas, também há nisso algo de positivo: funciona como compensação para os sacrifícios da vida durante o ano, para a coesão da família e para reforçar os laços de amizade entre amigos. O que importa, pois, não é condenar eventuais exageros, mas realçar a força original do apelo do Natal que os sustenta para que eles ganhem significado…
2. Uma das mais belas tradições que a cultura do Natal nos legou foi a Música de Natal, uma forma poética de exprimir o misticismo desse nascimento e a fraternidade entre os homens: músicas doces, sonhadoras, canções de embalar o Menino que aproximam a história de Jesus à história dos homens; e também a Poesia e Contos de Natal: lindos poemas e contos de Natal que nos transportam para o mundo maravilhoso da beleza e da fantasia, cantam a amizade entre os homens e evocam o nascimento de Jesus, onde a festa dos homens se junta à festa dos anjos para partilharem o significado do Natal…
Outra das formas de cultura do Natal em destaque é a oferta de brinquedos às crianças e a sua encantadora alegria. A tradição da oferta de brinquedos tornou-se numa grande indústria e prende-se com a transformação das sociedades rurais em sociedades citadinas ou periféricas das cidades: os pais precisavam de compensar os filhos, que vivem espartilhados no reduzido espaço dos apartamentos, com brinquedos compatíveis com as suas condições, já que não podem desfrutar do espaço livre e do contacto com a natureza. E assim, mais uma vez, os brinquedos variam conforme o poder de compra dos pais.
3. Outro grande legado da cultura do Natal é a Mensagem de Paz e o destaque do simbolismo e valor da Família, da amizade e dos amigos. A paz entre os homens, cantada pelos coros dos anjos; as tréguas de Natal nas guerras, que são sempre fratricidas… A primeira imagem que se vê do Natal, para além do mistério que se não vê, é a de um menino, a mãe e o pai, o amor entre um homem e uma mulher como raízes do afecto e da vida, o carinho de uma mãe e o apoio afectuoso de um pai que tudo fazem para acolher essa nova vida e ela cresça feliz e a imagem do carinho do Lar, sem o qual não se pode crescer nem viver… É da raiz deste mistério do amor e da vida que nasce o carácter de intimidade da festa do Natal.
Hoje, contesta-se de variadas formas a Família, mas em todas essas contestações se manifesta um denominador comum: a procura do carinho e do calor da Família que o Lar encerra. São apenas variações de formas de mascarar a dor da carência afectiva e o desejo de ser reconhecido na sua diferença.
3. Outro grande simbolismo da cultura do Natal é a Luz (estamos no Solstício de inverno, onde o sol é o ausente desejado) para exprimir, em contraste com a noite, a revelação daquilo que está oculto ao nosso olhar: Deus que se revela em Jesus. E porque o Natal se celebra no inverno, a Neve é outro simbolismo frio que convida ao aconchego do Lar, com as renas a puxarem o seu carro mágico por entre as estrelas para levarem os presentes a todas as crianças e a bonomia da figura do Pai Natal, vindo lá do frio da Lapónia, para dar um toque de evocação familiar na entrega desses presentes. Mais próxima da representação histórica do Natal, há ainda a tradição do Presépio, introduzido por S. Francisco de Assis, o santo que falava com a natureza e com os animais selvagens como irmãos e hoje tido como um ícone cristão da ecologia. Há quem fique muito eriçado com a figura do Pai Natal, que anda a enganar as crianças... Por favor, não tirem às crianças a magia de sonhar, porque elas precisam de acreditar no sonho e na magia. Esta fase da sua inteligência mágica, que nasce da intimidade, irá evoluir para outra forma de inteligência realista, a partir da observação da realidade. Mas, cada etapa no seu tempo. Mal de nós se perdemos a magia do sonho e da imaginação… Elas são a base seminal da criatividade e da alegria.
Autor: M. Ribeiro Fernandes
Natal também é cultura

DM
16 dezembro 2018