Sabes por que razão não me caso? Não é por comodismo como disseste há tempos neste espaço. Não posso casar como era meu desejo porque não tenho emprego a tempo certo; não sei se posso assumir a responsabilidade de construir um lar quando tudo é tão precário. Imagina: eu tenho um emprego por seis meses; não sei se mo renovam ao fim desse tempo e se mo prolongam não sei por quantas vezes. Nunca sei se um dia passarei a efetivo e mesmo que isso seja possível nunca saberei se a empresa, onde agora trabalho, vai ser vendida a qualquer grupo económico que, numa remodelação e racionalização de efetivos, me põe na rua ou, como alternativa, me convida a mudar de terra sem me assegurar casa para lá viver ou compensar o nível de vida da nova morada. Se for posto na rua, como vou pagar a água, a luz, a comida e o sustento da mulher e dos filhos se os houver? Estamos num mundo que o melhor é não arriscar numa perspetiva de vida estabilizada. Este estado de constante e contínuo sobressalto, apodera-se de mim e faz com que as minhas opções, entre elas a de constituir família, seja uma aventura. Eu tenho vergonha de falhar e mais grave ainda, tenho medo de arrastar com o meu falhanço uma mulher e os filhos desta relação; repara como eu já não fui capaz de dizer, deste casamento e disse desta relação, porque é mesmo isto que se passa; o casamento desapareceu e foi substituído por um ajuntamento a prazo, aliás em consonância coerente com a temporalidade do emprego. Falas de emprego do Estado? Mas talvez não saibas que é o Estado, digo, Governo, quem dá o exemplo de trabalho precário. Vê o que se passa por aí de recibos verdes; se um jovem pode casar para toda a vida com a mulher que escolheu para ser a mãe dos seus filhos, oferece-lhe o quê? Um emprego por seis meses? Os filhos desta precariedade são as vítimas últimas deste sistema de emprego e casamento a prazo, porque se veem depois da separação dos pais, separados dos irmãos: um fica com a mãe outro com o pai e se mais houver outros com os avós e aquela união precária esboroa-se antes de solidificar. Quando se fala em natalidade e a fazer apologia para mais descendência ou a falar em políticas de natalidade e fecundidade, deveria primeiro falar-se das políticas de emprego estável, ordenados dignos, dignidade do trabalho, respeito pelos empregados pelo menos como obreiros das mais-valias; sem estas políticas tudo e todo o resto é conversa fiada. Acusam-nos de não querermos o casamento e é verdade. Mas não é por não querermos é porque não podemos. Deem-nos condições de estabilidade laboral e verão como seremos capazes de constituir família à imagem dos nossos avós e pais. É verdade e cogito: os casais precários estão a substituir os filhos por cãezinhos e depois grita-se que a natalidade está a diminuir e que, neste caminhar, a espécie humana não só se não renova como tende a desaparecer. A estabilidade laboral ganha assim foros sociais muito para lá do âmbito das reivindicações sindicais, conceito e preceito religioso ou políticas governamentais; torna-se um caso sociológico porque a sociedade que se não renova é sociedade condenada a morrer. Basta ver como envelhece a sociedade portuguesa para adivinharmos o seu desaparecimento. Cada vez há mais velhos e cada vez há menos novos. Ora, onde se tira e se não põe a dever fica. A estabilidade no emprego ganha, assim, foros de responsabilidade social, salta fora do âmbito político, ultrapassa e muito a reivindicação sindical, coabita com a natalidade porque se situa num patamar civilizacional. Um emprego estável vale por um lar. Boas férias e até setembro.
Autor: Paulo Fafe
Não te casas?

DM
30 julho 2018