1. Como se comemorou, na passada sexta-feira, o Dia Mundial da Criança, vamos falar dos Direitos da Criança. O Princípio VI da Declaração Universal dos Direitos da Criança, proclamada pela Assembleia-Geral das Nações Unidas, em 20 de Novembro de 1959, na Resolução 1386, estabelece que “Todas as crianças têm direito ao amor e à compreensão por parte dos pais e da sociedade”. Dito pela negativa, as crianças não devem ser agredidas fisicamente nem psicologicamente nem por omissão. Embora se tenha progredido bastante no reconhecimento do direito de a criança não ser agredida fisicamente, infelizmente ainda há muitos casos de maus-tratos a crianças. As caminhadas azuis contra os maus-tratos às crianças são um alerta de civilização contra esse primitivismo bárbaro e devem continuar enquanto houver alguém que, em nome de crenças ou cultura popular pretenda continuar a legitimar a agressão física à criança como forma de educação. E quem diz contra a agressão física diz também contra a agressão sexual (pedofilia) e contra a agressão por negligência (de afecto, de cuidados básicos, de alimentação, de saúde, de tempo de sono, de vestuário…).
2. Infelizmente, ainda há quem defenda que o castigo físico faz parte da educação. Certamente, também eles foram assim maltratados em criança. É pena… Mas, educação, enquanto exercício da capacidade de adaptação social e cultural, deve respeitar o modo de ser de cada um e o seu ritmo pessoal de aprendizagem, sem violência, porque esta é um abuso gratuito de poder dos mais fortes contra os mais fracos. Educar não pode ser impor regras de conduta, mas ajudar a compreender e aceitar regras de adaptação à sociedade para melhor se integrar nela. Não se trata de um mero jogo de palavras, mas de atitudes diferentes. Impor é uma coisa; educar é outra. O objectivo da educação não pode ser criar autómatos obedientes, mas cidadãos livres, criativos e solidários que, para viverem em sociedade, aceitam regras de convivência e cooperação comuns. Condicionar uma criança pelo medo e pelo castigo não contribui para criar cidadãos cooperadores, mas apenas sujeitos coagidos (e, muitas vezes, revoltados) que, quando forem grandes, tendem a reproduzir o mesmo padrão de comportamento com que foram tratados em pequenos.
Só o afecto e a compreensão podem quebrar essa cadeia de violência primitiva e ajudar a criança a assumir as regras propostas por aqueles de quem gosta. Até porque, quando se gosta de uma pessoa, tende-se espontaneamente a imitá-la.
Claro que na sociedade tem de haver regras (e castigos para os que as não respeitam); de outro modo, não se podia viver em sociedade. Mas, isso pressupõe que os cidadãos já tenham adquirido a maturidade. Aqui, estamos a falar do começo desse processo de desenvolvimento humano, inserido no pequeno grupo da família. A vida é um caminho de várias etapas. E cada etapa a seu tempo.
3. Assumido que a criança não deve ser agredida fisicamente como forma de educar e que precisa de amor e compreensão para poder crescer e integrar-se, é tempo agora de alargar o âmbito dessa campanha e incluir também o não ser agredida emocionalmente.
Quando falamos em agressão emocional, estamos a referir-nos a comportamentos reiterados de humilhação pessoal, de gritar asperamente com elas, de as aterrorizar para forçar a obedecer, de usar sistematicamente ameaças verbais, de as desvalorizar e até de as expor a um ambiente familiar de conflito permanente. Toda a gente conhece expressões como estas, dirigidas às crianças como forma de recriminação: “não vales nada”, “nunca devias ter nascido”, “envergonhas-me”, “és um burro, nunca serás alguém na vida”, “devia ter feito aborto e matar-te”… São expressões cruéis cravadas como punhais na sua tenra e insegura auto-estima por quem as devia estimar e defender.
Não podemos aceitar que continuem a ser usadas como se não tivessem importância nenhuma… Porque têm. E as suas consequências são devastadoras para a personalidade da criança: magoam a sua auto-estima, perturbam o seu bem-estar e saúde mental e nervosa e são uma ferida que dificilmente se cura. No mínimo e conforme a gravidade da relação, ficará sempre na sua memória afectiva uma cicatriz dolorosa de omissão e agressão por quem a devia proteger e amar.
A criança precisa de afecto e compreensão para que possa crescer feliz e aprender a ser tolerante. É uma necessidade e um direito da sua condição humana. Se os não tiver, como o seu mundo interior vai crescendo à medida que ela cresce também em desenvolvimento e experiência de vida, o que for hoje a sua representação da família poderá ser amanhã o seu modo de representar a sociedade e de estar no mundo. É por isso que este é o nosso tempo de acção para ajudar a melhorar o futuro da qualidade da relação humana.
Autor: M. Ribeiro Fernandes
Não ser agredida emocionalmente
DM
3 junho 2018