1.Não há plano terapêutico eficaz sem prévio e correcto diagnóstico. É assim na saúde e é assim na vida pessoal e social. E, como hoje as coisas mudam a uma velocidade a que antes não estávamos habituados, não se pode aceitar o “deixa andar a ver se passa”. Vivemos num tempo que não nos permite ficar indecisos a ver se a crise passa, temos de agir, embora se tenha de cultivar também a arte dos equilíbrios, na medida em que os ritmos pessoais são diferentes. É um tempo exigente, mas é também um tempo de grande corresponsabilidade e criatividade. É por isso que a formação académica de hoje, para além de competência, precisa de capacidade de adaptação e capacidade crítica. Sem isso, corre-se mais o risco de ser apanhado no engodo dos que, usando sofismas e agitação social, exploram a indecisão e a fragilidade dos outros.
2. No dia 16 de Fevereiro, o DM publicou um resumo da análise sócio-religiosa que D. Francisco Senra Coelho, bispo auxiliar de Braga, fez acerca das visitas pastorais que efectuou ao arciprestado de Barcelos. Nesse resumo constata que:
2.1. há dificuldade em transmitir a fé aos mais novos, facto que se observa por essa Europa fora;
2.2. há dificuldades em encontrar catequistas;
2.3. não se tem feito a preparação do Povo de Deus para assumir as responsabilidades locais das igrejas, continuando tudo dependente da figura tradicional do padre;
2.4. não há um diaconado permanente;
2.5. a falta de padres vai-se agravando progressivamente e, daqui a 5 ou 10 anos, pode tornar-se preocupante para a vida das comunidades cristãs se, entretanto, não se puserem em prática novas formas de orientação e dinamização das mesmas;
2.6. não há grupos de jovens cristãos que sejam uma esperança organizada para o amanhã dessas comunidades;
2.7. em conclusão, a Igreja está a atravessar um momento de transição…
É uma análise séria e objectiva, ao estilo do falecido D. Manuel Falcão, que deve ser tomada como um primeiro diagnóstico que é urgente continuar, para depois se procurarem soluções. Ainda bem que o fez, pois é nos momentos críticos que se conhece a lucidez e a coragem dos líderes. E uma das características básicas do líder é procurar antecipar o futuro como forma de acautelar problemas e transmitir segurança ao grupo. O que se espera agora, com o apoio dos seus líderes locais, é que as comunidades passem rapidamente à fase da caracterização dessas dificuldades, que deve ser participada por todos, cada um no seu papel, para que todos se comprometam… e sejam modelo para outros. E, depois, se passe à fase de procura de soluções e sua aplicação no terreno. Infelizmente, não está apenas nas mãos das comunidades cristãs serem capazes de mudar uma situação sociologicamente complexa como a actual; mas, na parte que lhe cabe, ninguém a fará por elas.
3. Apesar do distanciamento em relação à Igreja continuar a notar-se, ainda há quem esteja convencido que têm de ser os outros a mudar. Compreende-se. Não é fácil mudar, até porque, muitas vezes, isso implica abandonar convicções estruturadas que não passam de mera roupagem histórica, mas às quais se deu um valor de principal; porém, quem não for capaz de o fazer, ficará à margem da evolução. A Igreja existe na História e sempre se foi adaptando ao seu tempo. Não está em causa a sua identidade, mas apenas a sua adaptabilidade. Não se trata de mudar conteúdos da fé, porque esses não mudam; trata-se apenas “da mudança de vestuário temporal com que a fé se reveste” e “para tempos novos, novas formas” (Hans Kung). Por exemplo, não faz sentido, hoje, apelar à ascese quaresmal do Povo cristão com base num paradigma latente da vida monástica, como há séculos atrás se fazia, porque isso já está descontextualizado. Desde então para cá muita coisa mudou… Mudou a cultura; mudou a forma de entender o sentido da corporalidade; mudaram as formas de economia; mudou o sentido de aperfeiçoamento pessoal, que já não é fugir do mundo, mas santificar-se no mundo e santificar o mundo; mudou o apelo do encontro preferencial sócio-religioso no templo, porque a voz do campanário já não é a única, há muitas vozes e muitos apelos e ganha o que melhor souber motivar; mudaram as formas de comunicar e de ensinar; mudou a forma de procurar persuadir os outros: a recusa da apologética e o regresso do espírito de diálogo, a Nova Ágora, onde a força de persuasão se baseia no testemunho, no carisma, na competência e na sabedoria da vida; mudou a percepção da transcendência que apontava para o céu ptolomaico, voltando-se agora para a descoberta do sentido da vida na intimidade e na comunidade, porque “Ele está no meio de nós”; mudaram as formas tradicionais de fazer pastoral, que se mostram esgotadas e sem horizontes de esperança… Tudo vai mudando, só os sonhos do coração permanecem os mesmos e a esperança da alegria do encontro continua a interpelar-nos…
(Nota: o autor não escreve de acordo com o chamado Acordo Ortográfico)
Autor: M. Ribeiro Fernandes
Não há plano terapêutico eficaz sem prévio e correcto diagnóstico

DM
11 março 2018