twitter

Não ensinam a dar cambalhotas

Os alunos, melhor dizendo, as crianças do primeiro ciclo do nosso sistema de ensino alarmaram os políticos porque não sabiam ou não podiam, sabe-se lá, saltar à corda e dar cambalhotas. Fiquei preocupado quando esta falha atlética foi considerada menor capacidade cognitiva, o que deixou de imediato a pensar que quem não tem corpo elástico pode não ter inteligência para estudar. Coitados dos “mentes brilhantes”! Mas há alguma relação ou correlação entre as duas premissas? Alma sã num corpo são, já não chegam? A educação é um sistema evolutivo; no dia em que o possamos definir, temos chegado ao seu final. Sempre foi preocupação dos pedagogos, psicólogos, filósofos e didatas criarem um homem novo, numa sociedade nova. E nunca ninguém o conseguiu pela simples razão de que a educação é um constructo, isto é, algo que se vai construindo e não um construído, isto é, algo que já se encontra construído, definitivamente acabado, como o molde que faz pucarinhos iguais. Daí podermos dizer que a educação é a sombra que caminha sempre à frente da figura, por muito grande que seja esta figura. Dantes educava-se para a sociedade, isto é, fazia-se “peças” para encaixar nessa sociedade; agora é o homem que faz a sociedade e é esta, e não o homem, quem tem de se adaptar. Isto faz toda a diferença na conceção que temos de sociedade hodierna. A moral, a ética e até o direito passam mais pelo indivíduo do que pela sociedade. Uma sociedade só de indivíduos não é a mesma coisa que um indivíduo na sociedade. É o individualismo sobre o coletivo, o individual sobre o bem-geral, a personalização sobre a massificação de massas, isto é, o discurso na primeira pessoa. Há que refundar conceitos e adaptarmo-nos aos novos ventos, ou resistir? Ventos que sopram forte, trazem-nos cedo tempos diferentes. A sociedade já foi o juiz e o jurista dos comportamentos sociais, mas parece-me que perdeu o seu lugar quando o indivíduo deixou de sonhar com o futuro e fez de si, ator principal. A escola ensinava para o futuro, quando o futuro era igual ao passado; agora não se sabe educar porque ninguém sabe como é o futuro. Logo a escola vai perdendo a função formativa integral de dantes, alma sã num corpo são, no bom conceito de escola humanista grega, e terá de passar a ser a escola informativa de hoje, no conceito de adestrador de competências tecnológicas. Os meninos de hoje brincam com as teclas com presteza, passam horas a olhar para os ecrãs, mas não sabem dar cambalhotas, nem jogar à corda, jogar a macaca e, mais grave ainda, não sabem localizar o seu país através da rosa dos ventos. Mas o GPS não sabe localizar onde desejamos ir? Mas eles não falham apenas nas cambalhotas, eles falham nos testes. Testes, para crianças de 7/8 anos?! Testes de quê? Mas então, a cérebros em formação, onde ainda não existem potencialidades para relacionar e correlacionar dados adquiridos, que apenas ainda são capazes de reproduzir o que lhes foi ensinado, obrigam a resolver situações inéditas para lhes aferirem da sua capacidade de raciocínio e seleção de dados? Não colham a fruta verde. Não é pela espremedela que se conhece o sumo. Temos psicólogos, antropólogos, especialistas em teorias do conhecimento, espertos em teorias do desenvolvimento e não há um, um só, que levante a sua voz e diga, esperem que o fruto amadureça, não o queiram estragar ainda por sazonar. Obriguem as crianças a dar cambalhotas e a saltar a corda do sucesso escolar, através da sincretismo, da análise e, finalmente da síntese. Não queimem etapas.
Autor: Paulo Fafe
DM

DM

18 junho 2018