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NA SENDA DA PANDEMIA – OS PERIGOS LATENTES

Nestes dias de verão prematuro, na ressaca de um confinamento que deixou marcas mais ou menos profundas a diversos níveis, a pandemia Covid-19 originou outros tantos problemas que não podem ser esquecidos.

Problemas que se prolongarão no tempo, sobretudo de quantos sofreram a perda de entes queridos de quem não se puderam despedir com a dignidade habitual, dos que perderam o emprego ou viram reduzidos os seus rendimentos por suspensão temporária do trabalho e de muitos outros que tiveram de sofrer o isolamento sem as melhores condições para o suportar.

Por obra da pandemia, de que ainda há pouco tempo muitos duvidavam poder acontecer, o mundo viu-se transfigurado e as suas consequências não se fizeram esperar.

Na Europa, além de espalhar um cenário de grande sofrimento e de morte, quase paralisou a economia. Por outras latitudes o panorama é o mesmo. No entanto, a situação em países como o Brasil e os Estados Unidos da América é mais grave porque, em paralelo com a pandemia, a eclosão de fenómenos racistas intoleráveis constitui ainda uma maior ameaça ao estado de direito democrático.

Em Portugal, até ao presente, os efeitos da pandemia, comparando a nossa realidade com outras aqui bem perto, não foram tão catastróficos e até podemos dar-nos por satisfeitos. Com mais ou menos percalços e com algumas querelas de permeio, de um modo geral, os portugueses souberam interiorizar a gravidade da situação e adotaram os comportamentos condizentes à sua contenção.

Mas será que podemos descansar?

Na manifesta concordância entre todas as instâncias do poder de que tudo tem corrido bem, que as brutais sequelas económicas encontrarão restabelecimento com a ajuda esperada da União Europeia, é preciso não afrouxar e não ceder a facilitismos.

A unanimidade de posições sobre esta e outras matérias havida entre os órgãos de soberania, Presidência e Assembleia da República, Governo e Tribunais, é uma realidade incontornável na história recente da nossa democracia e tem ajudado a estabelecer na opinião pública a ausência de alternativas. Porém, esta perceção não deixa de carregar em si mesma alguns perigos, se não houver uma resposta capaz aos diferentes desafios resultantes da devastação pandémica.

É preciso não relaxar!

Olhando os vários estudos de opinião que têm vindo a público, é notória a crescente massificação de uma opinião maioritária e, simultaneamente verifica-se uma pulverização do espetro político com um crescimento inquietante de algumas franjas que mais não pretendem senão pôr em cheque a própria democracia.

É absolutamente necessário não descurar estes sinais. É urgente mobilizar o povo português em torno de objetivos que permitam dar um combate permanente ao desemprego e à precaridade, à desertificação de boa parte do território, a todas as desigualdades e capaz de não deixar ao abandono os mais fracos e desprotegidos. É imprescindível tratar rapidamente as disparidades resultantes do ensino à distância, principalmente nos escalões etários mais jovens, de modo a que ninguém fique irremediavelmente para trás na formação a que tem direito.

Neste sentido, não critico o Primeiro-ministro por chamar uma personalidade independente de irrefutável valia e experiência, como António Costa e Silva, para lhe entregar a tarefa de estruturar e organizar um plano de recuperação do país para a próxima década. Não deixando de ser um ato de humildade, é um rasgo de audaciosa coragem e, principalmente, a assunção de uma postura de enorme patriotismo.

Um plano de recuperação do país capaz de mobilizar o povo português traçando horizontes ambiciosos de desenvolvimento e de progresso, de modo a permitir que a fome não bata à porta de quem ficou mais vulnerável, que a educação não deixe de chegar em igualdade de circunstâncias aos mais desamparados e que a saúde regresse rapidamente a quem, por força da concentração de recursos no combate à pandemia, se viu afastado dos cuidados a que tem direito.

É urgente pôr em prática este plano porque, citando Nelson Mandela, “Democracia com fome, sem educação e saúde para a maioria, é uma concha vazia.” E, acrescento eu, sujeita a muitos perigos e ameaças.


Autor: J. M. Gonçalves de Oliveira
DM

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9 junho 2020