Parece-me claramente assumido, ao menos por parte da Igreja, que a consciência política autonomizada não precisa de «muletas religiosas» e que o povo não precisa de «tutelas religiosas» que lhes digam «esta ou aquela candidatura é a melhor». Será que, por parte dos «políticos», foi já ultrapassada a tentação de procurar, ou até de, veladamente claro, exigir uma «bênção religiosa» que dê força e credibilidade a um candidato em desfavor de outro?
A tentação do «aparecer» no palco religioso não desapareceu nem desaparecerá certamente. A vigilância do respeito mútuo impõe-se sempre. A propósito, admiro o àvontade com que o nosso Presidente da República participa em actos religiosos públicos já que, crente assumido, não precisa de vestir a pele falsa de um «laico» nem aceita interpretações extremistas da laicidade do Estado que, não sendo confessional, está ao serviço de crentes e de não crentes.
Vamos então às palavras. São elas: Fé, Paixão, Promessas, ídolos. Palavras que se situam no âmbito da religião mas de que a política se apropria, nem sempre com equilíbrio.
Explico-me: quando um político se bate para que tenham fé nele e tudo joga para que a sua palavra «infalível» e «verdadeira» não seja posta em causa, ele sente-se merecedor de um «crédito» que pode chegar a um seguidismo cego. Como é possível então que se ponha em causa a atitude de fé de uma pessoa que, junta a outras, se torna comunitária e de relevância social quando ela se liga (religião vem de religare, o humano que se liga ao divino) ao Transcendente, a Deus, aceitando-O como Existente apesar de misterioso? Numa palavra: nega-se Deus e desdenha-se de quem nele acredita. Mas o lugar «vago» de Deus na sociedade da descrença, tantos o ambicionam... Eis o político no lugar de Deus a pedir que nele acreditem.
No mundo religioso, a palavra paixão, nesta nossa sociedade ocidental de matriz cristã, conduz-nos à cruz de Cristo e ao amor absoluto com que O contemplamos.. E vêm à mente tantas e tantas manifestações culturais que se tornaram tradições arreigadas em cada povo. Certamente que não esqueceremos o sentimento de paixão por uma causa a que nos devotamos e tudo fazemos para que nos acreditem, como honestamente apaixonados por uma causa. Paixão como amor desinteressado, sofrido mesmo como a de Jesus? Não estaremos a ir longe demais na idolatria do ego?
As promessas são o «pão nosso de cada dia» nas campanhas eleitorais. Promete-se o possível e até o impossível. Hipoteca-se até o futuro por causa de uma promessa impensada, impossível mesmo porque terrivelmente onerosa na situação temporal. E, sabendo-se que o juizo eleitoral periódico pede contas do prometido e do cumprido ou não cumprido, eis o esgrimir de acusações mútuas, uns a tentarem evitar que se lembre o passado e outros a «revolver» dossiers para fundamentar a propalada promessa não cumprida.
Neste campo, enquanto o padre se esforça por educar a fé do povo, esclarecendo-o para que evite as promessas religiosas e confie em Deus como Pai que, no seu amor, nos quer livres do medo, eis que os políticos «esticam mais e mais» o rol das promessas, de modo a forçarem a adesão que dará votos. Depois das eleições, as promessas, confrontadas com a realidade, foram-se...
Por último, a palavra ídolo, traduzindo o falso deus, que aparece em todas as culturas (não é verdade que o ser humano é naturalmente religioso, mesmo que tal afirmação possa ferir sectores da sociedade empenhados em promover um mundo sem Deus, uma sociedde livre de mitos ou de crenças religiosas?) está presente mais nas atitudes do espectáculo da campanha eleitoral em que actores e seguidores, nos discursos inflamados com ovações garantidas, se aproximam das procissões religiosas à volta da imagem de um santo no seu andor.
De facto, nas palavras do líder, tudo é a verdade pura e inquestionável, acolhida e «sufragada» pelos já decididos que o acpompanham. Afinal, só posta em causa, destruindo-lhe o seu carácter absoluto, no dia seguinte pelo adversário que a comenta e tenta anular o seu efeito, também ele ovacionado como um deus pelos seus seguidores.
Pois... Afinal não somos capazes de viver sem Deus, o Verdadeiro. Quando O pomos de lado, surgem imensos ídolos a tentarem ocupar o seu lugar. O que será melhor: crer em Deus, o Transcendente, ou crer nos homens que se fazem deuses?
Muito «religiosos» os nossos políticos... Com os seus rituais também muito próximos dos religiosos...
Fica, a terminar, uma palavra de Esperança: que, tal como a Igreja fala da «nobre arte da política» e até recomenda aos cristãos que dêem à política o sentido de serviço público, promovendo a cidadania, todos os candidatos cuidem do seu estatuto de servidores do bem comum e façam um campanha limpa com ideias e projectos e não gastem o «tempo de antena» a denegrir os adversários.
Autor: P. Abílio Cardoso