Hoje, fui provocada. Tentada. Tentada a reagir e apeteceu-me tanto reagir e dizer poucas e boas, só que ando a ler um livro sobre reatividade e proatividade e, se ainda queria ter alguma esperança sobre a possibilidade de evoluir nesta área, tinha de me conseguir dominar. Dominar-me, rezar por mim e pelos envolvidos e continuar a ler.
Mas, às vezes, sabe bem parar um pouco nas leituras ditas sérias e brincar um pouco connosco próprias. O bom humor é sempre uma boa solução. Como sugere o autor do livro que ando a ler, às vezes, a melhor escolha é a felicidade.
Bem, mas como hoje é melhor sair do tom sério, vim pedir ajuda aos livros dos meus filhos. Há um que sempre me delicia contar e ler, chama-se “Uma aventura debaixo da terra” de Mac Barnett e conta com as ilustrações deliciosas de Jon Klassen. É a história de dois amigos e um cão que estão a fazer escavações na demanda de um tesouro espetacular. Escavam para baixo, para os lados, juntos, separados, outras peripécias mais e moral da história? Várias possibilidades.
O que importa não é encontrar um grande tesouro, mas procurar um grande tesouro. O caminho pode ser tão delicioso que tudo o resto deixa de ter grande importância, até porque em termos de tempo dispensado, certamente que grande parte é ocupado a procurar e não a encontrar.
O que importa não é o que encontras, mas com quem procuras. A amizade verdadeira de quem se preocupa, de facto, com o outro que o acompanha. Com as necessidades espirituais e psicológicas, mas também com as físicas e materiais.
Duas cabeças pensam melhor do que uma só. Que as decisões importantes da nossa vida sejam tomadas com a ajuda de quem nos quer bem, com as suas diferenças, com a sua presença. O homem não está configurado para ser sozinho, para estar sozinho. Não nos bastamos.
Tantas e tantas vezes, as ajudas decisivas vêm de onde menos se espera, pelo que importa não fechar portas, não assumir posições de radicalidade perante os outros, não desistir de ninguém.
A chegada ao tesouro pode implicar mil trambolhões e centenas de humilhações, mas a felicidade na terra vem sempre meio atabalhoada. Já todos percebemos isso, certo? Todos temos as nossas lutas e não vale a pena desperdiçar energias em julgamentos precipitados de intenções que só Deus conhece.
E por fim, o grande valor das coisas simples. Porque o simples é o mais valioso, porque é o que temos mais garantido, mais frequente nas nossas vidas.
Recordo Samuel Beckett em “En attendant Godot”. Vladimir e Estragon esperam pacientemente a chegada de Godot. Conversas absurdas entre os dois, gritos, pedidos de desculpas, há de tudo, mas estão juntos na espera. No fim, um diz ao outro para se irem embora, o outro concorda, mas ficam quietos no mesmo sítio. O tesouro era estarem ali.
Claro que tudo isto soa a déjà lu, déjà dit e até déjà fait, mas, por vezes, temos mesmo de escrever de novo, ler de novo, interiorizar de novo, beber um leitinho com chocolate e comer umas línguas de gato e laisser tomber.
“O que queres ser quando cresceres? Bondoso – disse o menino” Charlie Mackesy O Menino, a Toupeira, a Raposa e o Cavalo
Autor: Rita Gonçalves