Não se trata, naturalmente, de promover desinformação onde seja ignorado o drama do sofrimento, nem de cair num otimismo ingénuo que não se deixe tocar pelo escândalo do mal. Antes, pelo contrário, queria que todos procurássemos ultrapassar aquele sentimento de mau-humor e resignação que muitas vezes se apodera de nós, lançando-nos na apatia, gerando medos ou a impressão de não ser possível pôr limites ao mal.
Aliás, num sistema comunicador onde vigora a lógica de que uma notícia boa não desperta a atenção, e por conseguinte não é uma notícia, e onde o drama do sofrimento e o mistério do mal facilmente são elevados a espetáculo, podemos ser tentados a anestesiar a consciência ou cair no desespero».
2. É uma realidade a existência de uma Comunicação que apenas vê o negativo e o transmite negativamente, gerando em quem vê, lê ou ouve um sentimento de angústia e de pessimismo.
A cada passo se escuta o desabafo: não gosto de ver noticiários. Aquilo são só desgraças.
É verdade a existência de desgraças. Simplesmente, há várias formas de as noticiar. Não é necessário insistir, doentiamente, no mesmo. Não há necessidade de entrar em pormenores que ferem.
3. Diz-se nos manuais de jornalismo que a notícia é um acontecimento atual, interessante e comunicável.
É notícia o que sai da vulgaridade, e tanto se sai da vulgaridade pela negativa como pela positiva. Noticiar não é informar, apenas, do que há de mal, mas dar a conhecer, também, o que existe de bom. Às vezes até misturado com o mal, mas que se não dá a conhecer.
4. O Papa refere a existência de um sistema comunicador onde vigora a lógica de que uma notícia boa não desperta a atenção.
Também é missão do comunicador educar o gosto das pessoas. Pelo facto de haver espíritos doentios que masoquisticamente como que se deleitam no mal não se vai praticar um jornalismo de faca e alguidar, onde se privilegia a notícia pormenorizada de toda a espécie de agressões, como se a vida fosse constituída por um conjunto de energúmenos sempre dispostos a abusar do outro, lesando-o na sua dignidade e nos seus direitos.
Na minha perspetiva não é apenas missão do comunicador informar do que interessa ao comum das pessoas mas também daquilo porque o comum das pessoas se deveria interessar. Defendo uma Comunicação Social que desperte as consciências, as sacuda da indiferença que anestesia e as motive em favor da construção de um mundo mais justo, mais humano, mais solidário, mais respeitador dos direitos e da dignidade dos outros.
5. Sugere o Papa Francisco a mudança de lentes, para que se leia a realidade com os «óculos» certos.
Mudar de lentes para ver a realidade na perspetiva da esperança e não do desespero; com o colorido do amor e não com a negritude do ódio; com sentimentos de compreensão e de tolerância e não de vingança, para que o mal não absorva a conversa entre as pessoas.
Mudar de lentes para, sem deixar de reconhecer a existência do mal, não deixar de ver o muito de bom que existe no mundo; os muitos gestos de altruísmo e de sacrifício pelos outros.
Mudar de lentes para ver que nem todos os idosos são votados ao mais cru abandono.
Mudar de lentes para, sem deixar de reconhecer os casos de corrupção que devem ser judiciosamente investigados e noticiados, ver o muito que há de trabalho desinteressado em favor do bem comum.
Mudar de lentes para ver no outro, seja ele quem for, um ser humano igual a si.
Mudar de lentes para ver quanto há de censurável nos crimes de colarinho branco e alertar para a incoerência de uma justiça que pune quem passa sem pagar na caixa registadora do supermercado mas passa uma esponja relativamente a fraudes de milhões.
Mudar de lentes para, no nosso relacionamento com os outros, sermos mais mensageiros de esperança do que profetas de desgraças.
Autor: Silva Araújo