Na sua Exortação Apostólica, Amoris Laetitia, o Papa Francisco convidou todos nós a procurar tratar, com a maior compreensão e discernimento, aqueles cristãos que estivessem numa situação matrimonial que não coincide com a doutrina que a Igreja sempre expôs como aquela que Jesus Cristo, na sua passagem pela terra, nos deixou para sempre.
Também o actual Romano Pontífice não quis, como é óbvio, modificar a mesma doutrina. Pediu apenas que se exercitasse com todos uma caridade misericordiosa. Deste modo, ninguém deve ser posto de parte, pois, apesar dos nossos erros e debilidades, continuamos a ser filhos de Deus. E Deus é um Pai que nos quis manifestar a qualidade do seu amor, contando-nos, pela boca de Cristo, a parábola do “Filho Pródigo”.
E quem pode não sentir-se nessas circunstâncias, fazendo um exame de consciência humilde e profundo? E quem não se sente verdadeiramente defendido por esse Pai que festeja sempre o regresso do seu filho destemperado, explicando-nos, também através de Cristo, que é capaz de perdoar até setenta vezes sete?
Tudo isto vem a propósito de um tema que tem sido muito abordado, com frequência sem qualquer clarividência e boa informação, a respeito, como atrás se referia, dos cristãos que se encontram em situação matrimonial complexa.
Não há muito tempo, alguém, aprofundamento exaltado e indignado, ao ver-me, me interpelou, quase gritando: “Com que então a Igreja quer que os recasados vivam como monges ou como freiras? Bem se vê que não entende nada sobre a natureza humana. Coitados deles...”
E seguiu o seu caminho sem me dar ocasião para explicar alguma coisa sobre os monges, as freiras e os recasados. E, muito menos, para lhe dizer que ela entende com profunda objectividade e sabedoria a natureza humana.
Em primeiro lugar, a Igreja não quer que os recasados vivam como monges ou como freiras. Quer os monges, quer a freiras, não se encontram nas suas comunidades na sequência dum fracasso duro e difícil da vida. A sua condição corresponde a uma decisão pessoal, clara e responsável, que surge no seu percurso vital como uma resposta a um chamamento divino, a que habitualmente se chama “vocação”.
Por outras palavras, a sua vida é posta ao serviço de Deus com absoluta voluntariedade. Não há coacção, nem fracasso, nem percalço, mas correspondência livre a um chamamento de Deus, que Se compromete a dar toda a ajuda necessária, através da graça que concede, para que o caminho por Ele sugerido seja perfeitamente ultimado por quem o aceitou e quis.
Os recasados merecem toda a misericórdia da Igreja e, portanto de qualquer cristão. São filhos de Deus como todo o homem e receberam, além do sacramento do Baptismo que minora as fraquezas do pecado original, também, entre outros, um sacramento – o do matrimónio – que tem exigências muito concretas sobre a unidade do vínculo que contraem e a fidelidade de ambos os cônjuges.
Se a sua vida foi sacudida por uma espécie de abalo muito duro, quer no plano afectivo, quer no plano existencial, não podem sacudir com ligeireza toda a responsabilidade e reclamar para si um tratamento sem fronteiras e exigências. Pelo contrário, devem reflectir seriamente sobre a sua responsabilidade a respeito da situação em que se encontram.
Não é tarefa fácil, embora não impossível. O Papa Francisco, repetimos, vem-nos chamar a atenção para que em tais casos se saibam discernir, acolher e receber com o maior afecto cristão esses filhos de Deus que se encontram em circunstâncias difíceis. Mais uma vez se recorda a parábola do “Filho pródigo”.
A Igreja não pode proceder de maneira diferente daquilo que Cristo nos ensinou, quer na forma como acolhe essas pessoas, quer no modo como lhes recorda aquilo que também Cristo nos recordou sobre as características essenciais do matrimónio. E ajudá-los a entrar pelas vias que devem seguir para alcançar do Pai o abraço carinhoso com que recebe os seus filhos.
Autor: Pe. Rui Rosas da Silva