“Métro, boulot, bistro, mégots, dodo, zéro” é o que diz o verso completo de um poema de Pierre Béarn, um livreiro parisiense, mas dele apenas se reteve “métro, boulot, dodo”, para acentuar os momentos menos estimulantes da rotina diária e forjar um dos mais célebres slogans de Maio de 1968. As três palavras, então muitas vezes pintadas nas paredes das ruas da capital francesa, condensavam o que não queriam os estudantes. Rejeitavam eles, pois, uma vida que se resumia a uma cadência triste: ir para o trabalho, trabalhar e dormir. Dito de outro modo: andar de transportes públicos para ir trabalhar, dormir para trabalhar e trabalhar para consumir era, para muitos, um logro que era forçoso evitar.
A “contestação vai atravessar os anos 60 no momento em que a sociedade de consumo se impõe no mundo como uma espécie de ideal”, recordava no início da semana, quando se estava a celebrar o Dia do Trabalhador, na rádio RTL, Serge July, que fundou e dirigiu o Libération no tempo em que o diário francês era um grande jornal. A sociedade de consumo, lembrava ele, “é a do desejo de apropriação de bens materiais, de um estilo de vida que é a cópia mais ou menos parecida do American way of life, com um mundo transformado em supermercado e os cidadãos transformados, todos, em consumidores”.
Serge July sublinhava uma marca de Maio de 1968: “Os estudantes, com inúmeros dos seus professores, denunciam as novas alienações. Eles falam de uma ‘sociedade industrial de consumo dirigida pelo marketing’. Há uma rejeição da manipulação da vida pelas forças económicas, pelas multinacionais. Perde-se a vida a ganhá-la”.
Hoje não é nas paredes, mas nos livros catalogados como de auto-ajuda que se encontram as mais abundantes recomendações para que a vida possa ser orientada para algo mais do que consumir coisas. Num livro publicado em Abril, Nietzsche para stressados (o título é excessivamente pretensioso para um banalíssimo livro de auto-ajuda), repete-se um tópico comum, sugerindo que não é a melhor das ideias perder a vida a ganhá-la: “Para muitas pessoas dos países desenvolvidos, o grande obstáculo à felicidade é o universo de necessidades inúteis que criaram à sua volta. É como se não se pudesse viver sem trocar de carro a cada cinco anos; considerar a actual casa uma rampa de lançamento para ter outra maior; comprar uma segunda casa para passar os fins-de-semana; inscrever os filhos em actividades extra-curriculares dispendiosas; viajar para tão longe e com tanto conforto como os amigos e os familiares”. O autor do livro, Allan Percy, apresentado na badana como “perito em coaching e autor de vários livros de desenvolvimento pessoal”, regista ainda que “à pressão exercida por todas estas necessidades artificiais há que somar os problemas emocionais – e muitas vezes económicos – daqueles que saltam de relação em relação”.
A rematar, emerge uma interpelação: “Convém perguntarmo-nos do que precisamos para nos sentirmos realizados”. A pergunta, que, há 50 anos, era pública, colectiva e política, está hoje sob a alçada privada do chamado “desenvolvimento pessoal”. Seja como for, cinco décadas depois de Maio de 1968, a resposta continua a não ser “métro, boulot, dodo” ou, sobretudo, no caso português, “auto, boulot, dodo”.
Autor: Eduardo Jorge Madureira Lopes
“Métro, boulot, dodo”
DM
6 maio 2018