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Meter o dinheiro na ordem

O amigo era dirigente da Liga Eucarística (naquele tempo chamava-se Liga Eucarística dos Homens) e a Missa era de sufrágio pela mãe do diretor espiritual daquela organização católica.

Nunca tive responsabilidades administrativas no jornal, mas não deixei de defender quem cobrou dinheiro pelo anúncio.

Como participação semelhante tinha saído no então «Comércio do Porto», perguntei se neste jornal a tinham publicado de graça.
Não, respondeu.

E, pretendendo defender-se, acrescentou de imediato: mas o «Comércio do Porto» não é um jornal da Igreja.
E os jornais da Igreja não precisam também de dinheiro para cobrirem as despesas, ripostei?!
Não sei se o meu amigo, que já se encontra do outro lado da vida, ficou convencido ou não. A verdade é que tentei demonstrar-lhe que um jornal da Igreja não se faz com orações e água benta. Tem de pagar devidamente aos funcionários. Tem de pagar o papel e a tinta que consome. Tem de possuir um equipamento que lhe permita aparecer na rua com a indispensável dignidade. Para tudo isso necessita de dinheiro.

Onde há despesas tem de haver receitas. Nos jornais, uma das fontes de receita é a publicidade.
 
2. Feliz ou infelizmente, a verdade é esta: não se vive sem dinheiro. Como pagamos o pão que comemos e a roupa que vestimos, e como retribuímos os serviços que nos prestam?
É evidente que devemos adquirir o dinheiro por processos honestos e usá-lo de forma solidária e não egoísta, o que nem sempre acontece.

O dinheiro faz falta, mas depender do dinheiro é um perigo. É que ele tem a pretensão de dar ordens. De dominar. De impor a sua vontade. E ao dar ordens nem sempre é justo e compreensivo. Chega a ser desumano. Chega a espezinhar as pessoas. Chega a vingar-se, se porventura não vê satisfeitos os seus interesses ou a sua vaidade.

O poder do dinheiro chega a assumir comportamentos ditatoriais. Por dinheiro se compram pessoas e se lançam campanhas de difamação e de calúnia. Por dinheiro se traficam pessoas como se fossem vulgar mercadoria. Por dinheiro se atraiçoam princípios e desfazem amizades.

A dependência do dinheiro chega a ser terrível. Até contribui para que seres humanos, esquecidos da própria dignidade, se convertam em objeto que se aluga.
 
3. Voltando ao caso dos jornais, que não apenas do «Diário do Minho». É importante a sua independência, e a publicidade deve contribuir para isso. Mas também há o perigo, às vezes convertido em realidade, de ser a publicidade a comprometer a independência do jornal.

O anunciante tem os seus interesses e é tentado a dar ordens. Dou o anúncio, mas neste assunto o jornal não toca. Ou então: dou o anúncio, mas o jornal tem de noticiar isto e isto e isto. Se o jornal teima em não aceitar as ordens do anunciante, este é muito capaz de lhe dizer: pague as despesas com a sua independência e eu fico-me com o meu dinheiro.

4. É complicado, isto. Usado despoticamente, o dinheiro gera escravos.
Porque tem muito poder, o bem comum exige que seja metido na ordem. Simplesmente, quem o devia fazer submete-se-lhe. E dá luz verde à sociedade de consumo e do descarte, que se serve das pessoas a pretexto de as servir.

Cito, a propósito, José António Pagola que, no livro «Jesus e o dinheiro», escreve: «A atividade política, que deveria defender os direitos das pessoas e o bem da sociedade, dilui-se convertendo-se em instrumento dos poderosos do dinheiro».

Podendo e devendo contribuir para que as pessoas vivam com dignidade, o dinheiro também pode contribuir para escravizar quem dele precisa.


Autor: Silva Araújo
DM

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26 janeiro 2017