Tanta gente se recordará, no nosso país, de que os inícios deste mês que estamos a viver, representavam, algumas décadas atrás, para a juventude o recomeço do ano escolar, com todo o atractivo e também conjunto de desafios que representava.
Havia, para muitos, o gosto de ter livros novos – livros escolares, disso falamos –, ou de, como o autor destas linhas, filho de uma família numerosa, ter de se “contentar” com receber aqueles que algum irmão mais velho lhe deixava, pois iria frequentar um ano académico mais adiantado. Mas como sempre havia alterações nos compêndios, ficava-se com o gosto de ter de comprar-se um ou mais livros novos, consoante as recomendações que eram feitas para as diversas matérias.
Num lar cristão, como graças a Deus era o meu, havia um particular gosto por rezar o terço, já que Nossa Senhora, Nossa Senhora do Rosário, devia ser bem lembrada através dessa oração em que com ela se fala, com ela se pensa e a com ela se pede pelas mais variadas intenções.
Por lei familiar, e como os filhos eram muitos, havia a preocupação dos pais em que os seus rebentos honrassem com todo o primor a nossa Mãe do Céu. No entanto, sem forçar e tendo em conta as diversas idades, a lei que geria a reza desta oração familiar “obrigava” ao terço inteiro apenas quem já atingira a idade da razão – os sete anos. Os mais novitos – e eu era um deles – que ainda não tinham conseguido atingir essa meta, só podiam rezar um mistério, ao fim do qual se despediam e, creio, iam deitar-se em seguida.
Não fui, penso, excepção. Protestava por não me deixarem ficar até ao fim, antes dos sete anos cumpridos e devidamente festejados. Tinha “inveja” dos meus irmãos mais velhos e queria ser como um deles, “grande”, sem tirar nem pôr. A lei era aquela e os meus pais assim o exigiam de cada um de nós. Mas... lembro também o esforço e a cara de poucos amigos que eles faziam, quando, após eu já “dever” rezar o terço inteiro, ao fim do primeiro mistério, começar a bocejar e a espreguiçar-me para que me deixassem não ficar até ao fim e, supostamente, recolher ao meu quarto de dormir. Note-se: o sono passava-me imediatamente e punha-me a ler uma revista de quadradinhos cheias de heróis e aventuras.
Estas recordações tão carinhosas, fazem-me passar para outras, também deste mês, quando, durante uma dezena de anos, antes de ser sacerdote, fui director duma escola. Os alunos acabavam de chegar de férias e traziam poucos hábitos de disciplina e de ordem. Além de se terem de levantar todos os dias muito mais cedo para entrarem nas aulas no tempo devido. Todos me pareciam meio adormecidos, embora despertassem com mais vigor se encontravam uma bola no recreio e começavam a dar uns toques. De vez em quando, nestas circunstâncias, era inevitável: algum fazia uma asneira menos recomendável e lá tinha eu de o sancionar... O pai aparecia e pedia-me desculpa, compreendendo a minha decisão, dados os fatos ocorridos.
Mais tarde, vinha a mãe, que, quase lacrimosa, exigia a presença do seu descendente. Logo que chegava, sem lhe dar tempo a qualquer reacção, desferia-lhe uma série portentosa de “ralhetes”: “Nem pareces meu filho! Deixaste ficar mal a mim e ao teu pai! Não tens desculpa, és um parvalhão e o Senhor Director faz muito bem em te castigar. Carregue-lhe forte, que ele merece! Mas não essa a educação que eu lhe dou, como o senhor sabe!” Enfim, inevitavelmente, o rapaz começava a chorar. E a mãe, com voz já embargada, acrescentava: “Agora choras...!? Vê se ganhas juízo e põe-te lá fora, que já nem te quero ver!” O rapaz saía. E logo ela, pressurosa e deixando que as lágrimas saíssem dos seus olhas com abundância, dizia: “Veja, Senhor Director, o que pode fazer por este meu filho...”
Neste mês do Rosário, Nossa Senhora, que é Mãe de Deus e nossa Mãe, quantas vezes não terá, lá no céu, de pedir ao seu Filho que, mais uma vez, nos perdoe as nossas fraquezas e os nossos disparates. E argumentará: “A culpa é tua. Fizeste de mim sua mãe e agora gosto muito deles...”
Autor: Pe. Rui Rosas da Silva
Mês de outubro: rico de recordações e de Nossa Senhora

DM
19 outubro 2019