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Mentira e demissão

Então, se o político ocupa um cargo governativo (primeiro-ministro, ministro ou secretário de Estado) nem quer ouvir falar delas e facílimo se torna o comum dos cidadãos mais depressa agarrar um atleta dos 100 metros barreiras do que um governante mentiroso confesso; porque aquilo que ele mais detesta, mesmo que seja uma sopa de urso, é ter de pedir a demissão do honroso, saboroso, vantajoso e geleioso cargo que ocupa.

Por isso, na vida política nacional, mormente num tempo em que, quando as redes sociais dela tão desbragado uso fazem, a pós-verdade se vai impondo (então o presidente norte-americano Trump nela é um ás, tendo, há dias, afirmado, a bem dos seus negócios, que a iluminação através de leds causa graves problemas de saúde às populações); e, como consequência, cheios andamos de casos em que a mentira, em nome da pós-verdade, se transforma e a demissão de qualquer cargo político nem pelo tal canudo de ver Braga, se consegue enxergar.

Vai daí, se há tantos países onde a mentira de um político pior é do que cuspir na sopa e, de imediato, o leva à autodemissão do cargo que ocupa, em Portugal, jardim à beira-mar plantado, ao político mentiroso, mesmo que compulsivo, nunca lhe passa pela cabeça demitir-se, como ainda acaba, muitas vezes, por vergar o cerviz a uma medalha comenda num qualquer 10 de junho.

Mas, dirá o paciente leitor: calminha, calminha que a coisa não é tão negra e podre como está a ser pintada, porque casos há de políticos e governantes que, no passado, assumiram as suas culpas (agora sabemos lá com que sacrifício e desgosto); por exemplo, o caso da pseudo-licenciatura de Miguel Relvas, os «cornos» que Manuel Pinho mostrou ao deputado, a anedota de Carlos Borrego no Parlamento e o insulto e promessa de um par de bofetadas que o ministro João Soares prometeu a um crítico do seu trabalho governativo.

E tem toda a razão o meu bom leitor, até porque não há regra sem exceção e o inferno cheio está de boas intenções, mas para que eles assumissem a demissão preciso foi muita pressão social e tempo em demasia; ademais, tais casos não invalidam a minha tese de que, infelizmente, nos tempos conturbados em que vivemos, a verdade na política tão coxinha anda que, assim, a lado nenhum chegamos ou, se chegarmos, há de ser no dia de São-Nunca-À-Tarde.

Pois bem, todo este arrazoado a propósito vem da novela nacional Centeno, Domingues e Caixa Geral de Depósitos, que, como as pilhas do reclame, dura que dura que dura ou como aquela marca de automóvel que veio para ficar e ficou mesmo.

E, como diz o outro, não havia nexexidade se cada um assumisse as suas responsabilidades no caso e tomasse as devidas providências que, a Bem da Nação, deviam ser tomadas no tempo e lugar próprios: demissão ou acareação para apuramento da verdade. Porque do jeito como a coisa engonhou a ninguém aproveita, muito menos ao Presidente da República que é homem de afetos ou ao primeiro-ministro que bombeiro de serviço sempre enfarda; e, se mais não fora, porque o país real de gente laboriosa, séria e compassiva tem muito mais com que se preocupar, novelas já temos nas televisões que fartam e a credibilidade e honorabilidade públicas da política e dos políticos está a passar o cabo das tormentas.

Depois, já vai sendo mais do que tempo de a mentira e a demissão, na vida governativa e dirigente nacional, andarem de mãos dadas e não de costas voltadas; até para que não tenhamos de praguejar:

– Porra, vai cá uma nortada!
ou, mais grave ainda, de lançar o grito do Ipiranga:

– Põe-te a pau, ó Zé, se não queres, daqui, sair mais esfolado!
Então, até de hoje a oito.


Autor: Dinis Salgado
DM

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22 fevereiro 2017