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Médico, pintor e escritor

Celebra-se hoje, 18 de outubro, S. Lucas (o nome é grego e significa “portador de luz”), o evangelista do próximo ano litúrgico (Ano C). A tradição consagrou-o como médico, pintor e escritor, pelo que é invocado como padroeiro dos médicos e pintores. É o autor do Terceiro Evangelho e dos Atos dos Apóstolos, “o conjunto quantitativamente mais importante e mais complexo de todo o NT (...), o empreendimento literário mais ambicioso do cristianismo primitivo” (António Rodríguez Carmona, Evangelios sinópticos e Hechos de los Apóstoles, pp. 281-282).

A leitura dos seus escritos permite-nos afirmar, entre outras coisas, que é o evangelista da infância de Jesus, dos pobres e últimos, das mulheres, da oração e da misericórdia de Deus. A apreciação formal da sua obra confere-lhe o estatuto de mestre da arte narrativa. Comprometido com a verdade histórica, registou nos seus escritos o que colheu dos apóstolos e discípulos que testemunharam a vida de Jesus e fundaram as primeiras comunidades cristãs.

As mais antigas referências a Lucas aparecem nas Cartas de Paulo: “Saúda-vos Lucas, o caríssimo médico” (Cl 4, 14); “Apenas Lucas está comigo” (2 Tm 4, 11); “Saúdam-vos Epafras (...), assim como Marcos, Aristarco, Demas e Lucas, meus colaboradores” (Flm 23-24). É provável que também seja referido implicitamente pelo livro dos Atos dos Apóstolos, quando, ao falar da segunda e terceira viagens missionárias de Paulo, usa o verbo na primeira pessoa do plural (“secções-nós”).

Mais informações fornece o Prólogo Anti-Marcionita ao Evangelho de São Lucas (séc. II ou IV), que o apresenta como “um sírio de Antioquia, sírio pela raça, médico de profissão. Tornou-se discípulo dos Apóstolos e mais tarde seguiu Paulo até ao seu martírio. Tendo servido o Senhor com perseverança, solteiro e sem filhos, cheio da graça do Espírito Santo, morreu com 84 anos de idade”.

Epifânio de Salamina assegura que Lucas era um dos setenta discípulos e João Crisóstomo refere que o personagem referido por Paulo, em 2 Cor 8, 11, ou é Lucas ou Barnabé. J. Wenham vai mais longe e afirma que Lucas era “um dos Setenta, um dos discípulos de Emaús, parente de Paulo e de Lúcio de Cirene” (“The Identification of Luke”, in Evangelical Quaterly 63 [1991]), tese que poucos defendem.

Uma tradição bizantina do século VI defende que ele terá pintado a Virgem Maria (é famoso o quadro de Guercino que assim o apresenta), Pedro e Paulo. É por isso que, mais tarde, as guildas (associações que surgiram a partir do século XII para regulamentar as profissões e o processo produtivo artesanal) de São Lucas, na Flandres, ou a Accademia di San Luca, em Roma protegiam os pintores. A verdade é que havia associações similares noutras cidades europeias, durante o século XVI.

Tradições antigas descrevem-no como uma pessoa fora do comum, a quem são atribuídos milagres e prodígios e referem que, depois da conversão, se preocupava com o sofrimento dos enfermos, dos oprimidos e dos pobres. Taylor Caldwell serviu-se de todas estas informações para redigir Médico de homens e de almas, o apaixonante romance sobre Lucas que tive o prazer de ler, no verão de 2014.

Com a execução de Paulo (ano 67), Lucas terá deixado Roma e passou a anunciar a mensagem cristã, no sul da Grécia (em Patras, na Acaia, ou em Tebas, na Beócia), onde teria escrito o Terceiro Evangelho. A tradição que parece ser mais consistente fala da sua morte como mártir, pendurado numa árvore, em Patras, no ano 84.

A iconografia cristã representa-o com um livro na mão, por ter sido escritor, e com um touro alado, aos pés, dado que começa o seu evangelho com uma referência ao templo, onde eram imolados os bois, e ao sacrifício de Zacarias (Lc 1, 8-9). A igreja mais importante que lhe foi dedicada está na cidade italiana de Pádua, onde a tradição afirma que repousa o seu corpo. Interessante é também o Santuário da Nossa Senhora de São Lucas, onde se venera o ícone da Senhora com o Menino, que ele teria pintado.

A grandeza da sua figura e da sua obra torna festivo o dia em que a Igreja o celebra, às portas de o assumir como evangelista do novo ano litúrgico que, daqui a pouco mais de um mês, estará a começar.


Autor: P. João Alberto Correia
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18 outubro 2021