É verdade, a maior parte da sociedade portuguesa experimenta uma sensação de medo: de medo de ser contagiada, de medo de contagiar os seus familiares, o medo da vacina que se anuncia. Tem medo da vacina que pode ser a salvação, porque ainda ninguém lhes explicou quais os efeitos secundários que ela pode desencadear. Não explicaram porque não sabem, ou não explicaram porque há realmente uma percentagem elevada desses efeitos secundários? Este medo é real mesmo entre as pessoas prioritárias, mas muito especialmente entre as pessoas idosas. Muitas delas confinaram-se por iniciativa própria, evitaram ajuntamentos, deixaram de abraçar os filhos ou beijar os netos e, depois deste sacrifício enorme de isolamento, temem agora que os efeitos da vacina lhes traga a morte em vez da cura. Muitos destes idosos estão isolados há meses. Alguns já contam oito ou nove meses, numa tentativa de se precaver contra qualquer contágio e não querem agora entregar-se a uma vacina que, no entender deles, ainda não está devidamente provada a sua eficácia e inocuidade para muitas outras patologias. Acredito que é preciso esclarecer porque, na verdade, todos temos medo desta vacina, um medo real, palpável e tão intenso na perceção que pode levar-nos a não querê-la. E se não for obrigatório, como se percebe que não pode ser imposta, estamos perante um facto de saúde pública. Urge ver esta situação com todo o cuidado. Há que sair para o exterior, há que levar ao grande público uma campanha de esclarecimento, há, em última análise, discutir se é ou não inconstitucional determinar uma obrigatoriedade em nome da saúde pública. Caso contrário, isto é, se o medo subsistir ou ficar envolto na nublosa das dúvidas, a vacinação parcelar não determinará a imunidade de grupo e encontrar-nos-emos, se não com pandemias, pelo menos com epidemias sazonais. Não subestimem o medo e lembrem-se que muitos foram os heróis porque tiveram medo. Agora que se anuncia uma ou várias vacinas contra a covid-19, é preciso que a população tenha com ela uma relação de confiança e não de desconfiança. Está na hora dos senhores da saúde deixarem de ser somente reativos. Mas o governo também, porque na hora de prestarem contas, as responsabilidades de cada governante serão sujeitas a escrutínio. Ele nunca será brando para aqueles que dormiram em cima duma questão destas que é mais séria do que parece à primeira vista. A classe médica, enfermeiros e auxiliares de saúde, os que tanto se tem sacrificado combatendo na linha da frente, não podem agora ser deixados entregues ao livre arbítrio da sua aplicação. A resolução é político-científica e tem a dimensão de saúde pública. Qualquer laxismo sobre a aplicação da vacina é beijo de Judas. Podem atirar as responsabilidades para os cientistas, mas pertence ao poder político a sua distribuição e a programação da sua aplicação; seria uma traição para com todos nós, se deixarem que o sistema de aplicação venha atraiçoar todo o sacrifício feito pelos profissionais de saúde e pelo sacrifício suportados pelos portugueses. Não podemos esperar para reagir, torna-se necessário imediatamente tratar da programação e mobilizar o maior número possível de habilitados a dá-la para que o tempo da inoculação se não alargue para lá da morte dos pacientes. Tudo isto está certo, mas em campanhas esclarecedoras, matem o medo da vacina.
Autor: Paulo Fafe