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Mas isto é arte? (II)

Utilizando uma terminologia metafórica com óbvias conotações religiosas, o filósofo norte-americano Arthur Danto denominou esta revolução escandalosamente provocativa, que rompia com uma tradição multissecular da arte, como «a transfiguração do banal» (The transfiguration of the commonplace, Harvard University Press, 1981).

Os readymade de Marcel Duchamp e as Brillo Boxes de Andy Wahrol são manifestações relativamente moderadas desta «transfiguração do banal», quando comparadas com outras práticas radicalmente vanguardistas. O jornal New York Times, de 20 de Outubro de 2001, noticiou que na montra da luxuosa galeria de arte Eyestorm Gallery, situada no prestigioso bairro londrino de Mayfair, tinha sido montada uma exposição do artista britânico Damien Hirst.

Pouco tempo depois, a exposição, constituída por chávenas de café meio cheias, cinzeiros com beatas de cigarros, garrafas vazias de cerveja, invólucros de caramelos e páginas de jornais espalhadas pelo chão, foi desfeita pelo encarregado de limpeza da galeria, que retirou da montra da galeria toda aquela imundície e a recolheu em sacos de lixo.

A gestora da galeria de arte declarou que era compreensível a confusão que o empregado de limpeza fizera entre a exposição de arte, avaliada em muitos milhares de libras esterlinas, e as coisas da vida quotidiana e o próprio artista plástico autor da exposição aceitou tranquilamente o sucedido ( que poderia, aliás, contribuir para a sua promoção em termos de opinião pública). O crítico de arte Donald Kuspit, na sua obra The end of art ( O fim da arte), publicado em 2004, afirmou que, «a grande arte tradicional» fora substituída pela «pós-arte» (post-art), de que a exposição de Damien Hirst seria a manifestação consumada.

A «pós-arte», em que  qualquer coisa pode valer como arte, desde que um putativo artista assim o declare e desde que como tal seja aceite por uma instituição considerada como instituição de arte, tem dado origem a eventos bizarros e aberrantes. O artista italiano Piero Manzoni (1933-1963) expôs em 1961, na galeria de arte Pescetto, da pequena cidade de Albisola Marina, na região da Ligúria, noventa latas de conserva com os seguintes títulos bem elucidativos: Merda d’artista, Merde d’artiste, Artist’s shit, Künstlerscheisse.

As latas de conserva foram vendidas a peso de ouro e hoje encontram-se expostas em muitos museus de todo o mundo, desde o Museum of Modern Art de Nova Iorque até à Tate Gallery de Londres e ao Centre Georges Pompidou de Paris. A «pós-arte» tem prosperado escandalosamente no mundo dos negócios da arte. Como não lembrar que as primeiras Brillo Boxes de Andy Wahrol foram vendidas a dois milhões de dólares cada uma, valendo hoje somas astronómicas!...

O autor não escreve segundo o chamado «acordo ortográfico»


Autor: Vítor Aguiar e Silva
DM

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3 setembro 2017