1. Acompanhei como pude a viagem apostólica do Papa Francisco aos países bálticos – Letónia, Estónia e Lituânia – entre 23 e 26 de setembro. Prestou homenagem às vítimas de dois dos grandes totalitarismos do século XX: o nazismo e o comunismo.
Concluída a visita, já no Vaticano, o Papa declarou:
“É impressionante ver até onde pode chegar a crueldade humana. Vamos pensar sobre isso”, pediu aos peregrinos reunidos na Praça de São Pedro, para a audiência pública semanal.
Recordou que em Vilnius prestou homenagem às vítimas do genocídio judaico “75 anos depois do encerramento do grande gueto, que era antecâmara de morte para dezenas de milhares de judeus”.
“Ao mesmo tempo, disse, visitei o Museu das Ocupações e Lutas pela Liberdade: parei em oração nos quartos onde os opositores do regime foram detidos, torturados e mortos. Matavam mais ou menos quarenta pessoas por noite”.
O Papa falou dos mártires católicos e do “grande testemunho que deram e ainda dão tantos padres, religiosos e religiosas idosos, que sofreram calúnias, prisões e deportações”.
2. Esta visita do Papa é, com efeito, oportunidade para recordar os mártires de todos os tempos, mas particularmente os do século XX. Folheei, a propósito, dois esclarecedores livros: «Os Mártires Católicos do Século XX», de Robert Royal, e «O Século do Martírio», de Andrea Riccardi.
O século XX foi um século de grande desumanidade e sangrentas carnificinas provocadas não apenas pelas duas guerras mundiais e pela guerra civil de Espanha mas também por grandes perseguições ideológicas, de que foram particularmente vítimas os judeus e os cristãos.
3. Refiro particularmente as perseguições de que foram vítimas os cristãos, mas não devo esquecer as perseguições de que foram objeto muitos outros, pelos mais diversos motivos. Perseguições que conduziram à morte violenta e perseguições que infernizaram a vida às pessoas, marginalizando-as ou criando-lhes difíceis ou até insuportáveis condições de vida. Também é perseguição arrumar seres humanos na prateleira ou massacrá-los com o assédio sexual.
4. As perseguições têm na base o desrespeito pela vida e pela dignidade do ser humano. A violação do direito que todos possuem de, não ofendendo os outros, fazerem as suas opções, a nível religioso, político e outros.
Aquele que escolheu apoiar um clube diferente do da minha simpatia nem por isso deixa de ser uma pessoa como eu e de ter o direito de ser respeitado na sua dignidade, nos seus direitos, nos seus bens.
As diferentes opções não devem ser motivo para ver no outro um inimigo e de o tratar como tal.
Quem não é dos nossos é um ser humano como nós. Tem, como nós, direito a condições dignas de vida. Numa perspetiva cristã é um nosso irmão cuja liberdade devemos saber respeitar como pretendemos que respeitem a nossa.
5. Qual o número de mártires cristãos no século XX?
Impossível contabilizá-los. Desconhece-se o nome de grande parte deles. Há quem aponte a cifra de três milhões.
Há que tomar consciência de que o martírio dos cristãos nem sempre tem sido devidamente noticiado.
Escreve Robert Royal: «Os relatos do século XX foram geralmente produzidos sob uma perspetiva quase puramente política que, quando admite a existência de mártires, o faz apenas tangencialmente. A título de exemplo, a terrível tentativa de genocídio dos Arménios operada pelos Turcos, que teve lugar no início do século, foi devidamente documentada pela maioria dos textos históricos. No entanto, raramente se refere que muitos cristãos, arménios católicos e ortodoxos, morreram durante esse mesmo massacre precisamente por serem cristãos. A Igreja Católica arménia calcula que sete bispos, 126 padres, 47 freiras e cerca de 30.000 leigos perderam a vida por causa da sua fé sob o moderno regime turco».
Ainda hoje se não noticia devidamente a morte violenta de muitos cristãos, vítimas de fanatismos ideológicos. Às vezes, até, invocando sacrilegamente o nome de Deus.
Fica-se com a ideia de que a vida só tem valor para alguns. Há filtros em grandes meios de comunicação social que impedem o relato de que são vítimas muitos cristãos.
Autor: Silva Araújo