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Mário Soares: a descolonização e a integração europeia

Alguns imputam-lhe a responsabilidade pelo modo como foi efetuada a descolonização, reconhecendo, no entanto, que o seu maior feito foi a nossa integração na União Europeia.

Para uma análise mais objetiva possível, e atendendo a que os jovens de hoje não fazem parte do período histórico em que esses factos ocorreram, vejamos sumariamente esse enquadramento histórico.
Os descobrimentos portugueses e a presença de Portugal no mundo foram uma gigantesca epopeia coletiva, abrangendo os séculos XV a XX.

A declaração de independência do Brasil, em setembro de 1822, é o início do declínio da nossa expansão marítima. Então, as atenções dos portugueses viraram-se para África. Portugal, que havia prestado toda a atenção ao Brasil, tinha deixado ao abandono as colónias de África, o que justificava agora um novo projeto para criar um verdadeiro império naquele continente. A permanência de Portugal em África haveria de perdurar até ao ressurgimento dos movimentos libertadores dos impérios coloniais.

 Na sequência do teor da Carta das Nações Unidas – que proclama que todos os povos têm direito à sua autodeterminação – os países colonizadores, no cumprimento de tal determinação, puseram em marcha movimentos de independência das colónias, arranjando, entretanto, meios de a substituir por formas de âmbito de cooperação económica e técnica, conseguindo, deste modo, obter os mesmos benefícios que tinham como colonizadores. Salazar não pensava assim e, orgulhosamente só, continuou a a defender, pelas armas, as colónias portuguesas.

Em 1961 surgiram os movimentos de libertação de Angola, seguidos pouco depois por iguais movimentos de guerrilha na Guiné e em Moçambique, o que obrigou Portugal a enviar para o terreno fortes contingentes militares.
Os meios financeiros elevados nos gastos da guerra, o impacto psicológico provocado pelas baixas de milhares de mortos e mutilados, a contestação universitária, a emigração maciça dos jovens para fugir à guerra e uma guerrilha cada vez mais ativa foram as causas determinantes para gerar a convicção em algumas chefias militares e na oposição ao regime, a ideia de que a paz não se obteria por meios militares, mas políticos, o que levou o denominado “Movimento das Forças Armadas” (MFA) a pôr fim ao regime do “Estado Novo”, em 25 de Abril de 1974, fazendo nascer a 3.ª República e com ela a independência das colónias.

 Perante uma descolonização precipitada e sem uma negociação que permitisse uma saída calma, mais de meio milhão de pessoas, que habitavam as colónias, sem proteção e tomadas pelo pânico, abandonaram precipitadamente os territórios ultramarinos. Muita delas, apenas com as roupas que vestiam, rumaram à metrópole onde acabaram por ser recebidos pelos seus familiares e amigos e com um mísero apoio do Estado, através do chamado Instituto de Apoio ao Retorno de Nacionais (IARN), criado em 31.03.75. Ao abandono ficavam os milhares de soldados negros que haviam lutado ao lado dos portugueses, tendo sido vítimas de miseráveis execuções sumárias em praças públicas.

 Com o fim do império colonial, Portugal –  que nos últimos anos da 2.ª República havia caminhado de costas voltadas para a Europa – oferecia-se agora um novo projeto nacional: a sua adesão à Comunidade Económica Europeia (CEE), o que veio a acontecer através da assinatura do Tratado pela mão de Mário Soares, em 1 de junho de 1985, para entrar em vigor no dia 1 de janeiro de 1986.

Há quem defenda que a má descolonização e o prejuízo e a dor causados aos  mais de meio milhão de retornados se deveu à confusão e ao vazio de poder que se verificou nos princípios da revolução. Compete aos historiadores e investigadores averiguar, com serenidade, as verdadeiras causas desse lado negativo da história de Portugal. Mas, num balanço final, dir-se-á que os “pecados” cometidos por Mário Soares foram bem mais leves do que as importantes decisões que teve a enorme coragem de tomar.


Autor: Narciso Machado
DM

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14 janeiro 2017