Reparei, porém, que não aparecia uma única referência à visão cristã da morte que a fé nos proporciona. Tenta-se, na melhor das intenções, desviar a conversa da morte que se avizinha, pensando que isso ajuda mais o doente. Creio que acontece exactamente o contrário. Quanto mais se oculta e dissimula a morte, mais ela se torna um terrível fantasma para quem a sente próxima.
Recentemente, visitei dois amigos hospitalizados em estado muito delicado de saúde. Em ambos os casos pude levar o conforto da fé cristã e, inclusive, celebrar o sacramento da reconciliação dentro do que as circunstâncias permitiam. Algumas das frases que lhes dirigi foram: «Não tenhas medo. Deus é Pai de imenso amor e ternura que nos conhece e ama como ninguém. Rezamos para que te ajude neste momento extremamente difícil».
Num dos casos, propus-me ir no dia seguinte para celebrar a santa unção, tendo contado com a sua concordância Eram 20 horas. Poucas horas decorridas, um telefonema informou-me que tinha falecido pouco depois de ter estado com ele. E que tinha adormecido com muita paz. No outro, sendo no hospital público, sugeri ao Capelão para passar por lá. Estive no funeral de ambos e referi-me ao encontro que tinha tido com cada um, procurando ser mão amiga que afaga e dá esperança, e desafiando os presentes a ousarem fazer esta experiência como forma de ajudar a penetrar positivamente numa das periferias existenciais mais dramáticas dos nossos dias..
É talvez o maior tabu de hoje. Mas a morte vai continuar a fazer parte das nossas vidas. E uma das melhores preparações é rezar com verdadeira fé e amor a «Santa Maria, Mãe de Deus, rogai por nós, pecadores, agora e na hora da nossa morte». Como o Papa Francisco afirmou enfaticamente em Fátima: «Temos Mãe». E na mensagem para os 300 anos de Czestochowa, reafirmou que a Virgem é Mãe terna e próxima que jamais nos desampara.
Nunca estamos órfãos. Maria é Mãe que se preocupa verdadeiramente com os problemas da nossa vida. Ela conhece-nos e acompanha-nos com o seu estilo tipicamente materno: manso e corajoso, e sempre persevera no bem: paciente face ao mal e activo em promover a concórdia. Se assim nos sentirmos embalados, não só não temeremos a morte, como a iremos descobrindo no seu mais profundo significado: o momento mais decisivo e solene da nossa vida, pois é o momento do novo nascimento, da passagem para a Vida em Deus e com Deus, para todo o sempre, na felicidade, paz e plena alegria.
Há poucos dias celebrei o primeiro aniversário de minha mãe. Um pequenino poema diz aquilo que mais profundamente sentimos, nós, os seus filhos: «Teu manto de luz / Mãe terna, querida / É brisa que afaga / Que enche de esperança / Toda a nossa vida».
Acompanhando-a mais de perto nos últimos 4 anos de vida em que o parkinson lhe prendia os movimentos e lhe dificultava a fala, ficávamos surpreendídos agradavelmente, pois ela conseguia cantar alguns dos cânticos que mais fundo nela tinham penetrado. Um deles diz assim: «Eu quero, Senhor, amar-Te / amor mais forte que a noite e o dia/ Eu quero dizer-Te sempre / És minha vida, minha alegria. / Eu quero amar-Te sempre mais / Confio em Ti, Senhor / Eu quero seguir teus passos / Crescer na vida, crescer no amor».
Dificilmente encontraremos palavras que mais confortem e animem, que sejam como que um precioso bálsamo que dulcifica as inevitáveis angústias e nos brinda com a paz interior e a serenidade de quem se sente filho muito amado e querido de tão amoroso Pai e tão excelsa Mãe. Sentindo tudo isso, a morte não deixa de ser uma dolorosa separação, mas vai-se transformando nesse manto de luz que mutuamente ilumina quem parte e quem continua, porque se torna brisa que afaga e enche realmente de esperança a nossa vida.
Ajudaremos a descobriremos, como afirmam alguns Padres da Igreja, que a morte é o «Vere dies Natalis», o Verdadeiro Dia de Natal! Com ela se nasce para a VIDA!
Autor: Carlos Nuno Vaz