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O duplo propósito deste trabalho). O objectivo deste artigo é duplo. Primeiro, assinalar a morte, neste verão de 2021, de mais um herói do desporto, no caso, de Gerhard Müller, o antigo artilheiro-mor do Bayern de Munique e da selecção alemã, aos 75 anos de vida. Em 2.º lugar, fazer uma pequena resenha histórica da evolução recente da moda masculina relativa ao estilo do corte do cabelo e da barba ou bigode.
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“Ainda se usa barba, na Bundesliga”). Tive o privilégio de “herdar” de um familiar muito próximo, grande adepto de futebol, a colecção quase completa de duas revistas semanais de futebol, uma inglesa (o “Goal”), outra alemã (o “Kicker”), relativas aos anos de 1968 a 1973. Colecção que conservo, apesar do pó e das investidas daqueles detestáveis insectos “prateados”. Depois dos anos 68-73 ainda tenho outros números avulsos do Kicker. Num deles, talvez de 1978, ano em que, salvo erro, Gerd Muller deixou o Bayern, a revista exibia na capa uma fotografia do visual, então barbado, do goleador, admirado pela maioria (mas pelos vistos, criticado por algum sector) e sob o título “Mann trägt noch den Bart, in der Bundesliga” (i. e., “ainda se usa barba, na Bundesliga”). O ácido desta intolerante crítica estética, datada já de finais da “cabeluda década de 70”, dá a perceber o (relativo) efémero que existe sobre considerações estético-político-sociais dirigidas a este campo dos adornos capilares masculinos. Os quais, hoje se recomenda serem assim; e amanhã o seu contrário.
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Gerd Muller, de Nördlingen). Segundo o habitual n.º especial anual do Kicker relativo à época de 21-22, Gerd Müller é, de longe ainda, o maior goleador de sempre do campeonato alemão. Marcou 365 golos em 427 jogos. O 2.º é o “polaco” R. Lewandowski, com 277. O 3.º é Klaus Fischer (do Schalke)com 268. E o 4.º é o antigo treinador benfiquista Jupp Heynckes (do Borussia Mönchengladbach) com 220. Müller era filho duma família de padeiros (ou de talhantes, não me lembro bem), moradores na vila amuralhada de Nördlingen, nos limites da (algo “portuguesa”) Suábia (“Schwaben”) com a Baviera (“Bayern”). Cabelo preto liso, olhos azuis, corpo algo atarracado mas sem ser baixo (1,76m), centro de gravidade baixo, pontapé oportuno e fortíssimo; e especialista nos golos à meia-volta (em rotação mas sem desequilíbrio).
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Foi o melhor marcador do Mundial de 70 e campeão do Mundo em 74). Os alemães que nasceram (como Müller) durante os duros anos 40, foram uma geração notável, temperada na pobreza e dureza da vida. Isso reflectiu-se nas selecções e clubes de futebol. Com um estilo de combatividade e de disputa do terreno de jogo ao centímetro. Campeões ou não, esse estilo acabou no final dos anos 90. Müller (“der Bomber”, o bombardeiro) venceu a final do Mundial de 74. Na final a RFA ganhou por 2-1 à selecção da “província irredenta” alemã da Holanda (ou Países Baixos), escapada, tal como a Suíça, da “mãe-pátria” desde 1648 (fim da Guerra dos 30 Anos). Lembro-me de ver essa final na “roulote” dos meus pais, num parque ao lado da EN1, a sul de Coimbra e a caminho do Algarve. Entre os outros campeões estavam os grandes Beckenbauer, Vogts, Overath, Hoeness, Breitner, Grabowski e Netzer.
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Entre outros, foram os Beatles que relançaram a moda dos cabelos compridos). O cabelo comprido adoça sempre a fealdade (como era o caso) das feições. Para a época isso tornava-os efeminados (hoje “uma virtude”, então um defeito…). Por causa das confusões, vá de deixar crescer as suíças; e logo depois, o bigode ou a pêra; por último, a barba. Atrás dos 4 citados “lencastrianos”, aos poucos toda a Humanidade copia a moda e volta a prezar a pilosidade corporal como imprescindível sinal de masculinidade. Uma concepção (à sua maneira, bem “racista”…) forjada nas culturas dos povos que habitam o norte e leste do Mediterrâneo, o Médio Oriente, o Cáucaso, o Irão e a Índia. Posteriormente, também na Ibero-América, para frustração e revolta silenciosa dos indígenas e de muitos mestiços.
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O pouco pêlo corporal e facial caracteriza várias estirpes humanas). Assim, nas tradicionalmente chamadas “raças” amarela (mongol); negra; polinésia; malaco-indonésia-indochinesa; nativa americana; bosquímano-hotentote; hamito-cuchítica (antigo Egipto, Eritreia, Somália, berbere pura, em parte a tuaregue); e a proto-germânica, escandinava e báltica (incluindo boa parte do norte Rússia actual).
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A “reacção” dos anos 80). Talvez para contrariar o fanatismo “khomeinista” e derrotar o marxismo barbado de Fidel Castro e Guevara nos anos 80, com Reagan e os novos ídolos do “rock”, a moda volta aos cabelos curtos e aos rostos escanhoados. O bigode é desvalorizado como adorno de “ditadores” (Franco, Hitler, Stalin, Videla, Hirohito, Pinochet, Nasser, Saddam Husseyn, etc.); e quase ridicularizado, imagine-se.
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O regresso da barba e a moda careca). Desde 2010 para cá, gradualmente regressa a barba; mas menos, os cabelos longos. Em sentido contrário, nota-se a reacção de alguns, em geral já calvos, que rapam o cabelo (calvície integral, “chamorrismo”, moda condenada pela Bíblia e pelo Corão). E há os “piercings” e tatuagens…
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A moda “capilar” como ruptura de gerações). É uma tática usada pelos revolucionários de sempre. Uma moda capilar nova, impingida aos jovens, segrega os pais e os avós. E leva os miúdos a pensar que as ideias daqueles também estão ultrapassadas. Ajudou no 25 de Abril ou na demissão de Nixon, p. ex..
Autor: Eduardo Tomás Alves