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Mal-amados

Ahistória dos homens que foram mal-amados pelos seus contemporâneos é de alguns e, na verdade, não são muitos. Mas, apesar de assim tão poucos, deixaram-nos a ideia soberana de que quem luta por seus ideais ou justiça social acaba sempre ou preso ou morto.

Em primeiro lugar teremos de falar de Jesus Cristo, não na sua dimensão religiosa que para tal me faltam conhecimentos teológicos, mas como mártir da sua doutrina social. Ser capaz de dizer em plena época do endeusamento da soberania que o escravo era igual ao senhor, era o mesmo que meter voluntariamente o corpo ao sacrifício sem remissão.

Nem os poderosos desse tempo, nem os religiosos oficiais dessa época poderiam tolerar tal igualdade porque se a consentissem dariam a todos um estatuto de igualdade que de todo não concebiam, nem queriam.

Por isso Jesus Cristo foi morto por crucificação. Numa dimensão apenas terrena temos Mahatma Gandhi. Pela força da verdade das suas palavras e atitudes tornou-se líder e agitador da igualdade social. Não lhe perdoou a Inglaterra, senhora da Índia e que lá tinha estatuto de colonizador.

Gandhi pensava que cada povo tem direito à independência e dentro desta cada cidadão ganha a liberdade individual. Foi assassinado a tiro e no momento da sua morte pediu que perdoassem ao seu assassino.

Abraham Lincoln, presidente dos Estados Unidos da América, o homem da igualdade, liberdade e fraternidade, a trilogia da revolução francesa, o homem da luta pela igualdade racial, o homem que fez da América um país de oportunidades inter-racial, foi assassinado, por causa das suas ideias, enquanto assistia a uma representação teatral.

Luther King, o negro que sonhou um dia que os negros e os brancos poderiam andar de mãos dadas numa harmonia de irmanados que, na verdade, só o sonho dum visionário poderia sonhar: “I have a dream”. Este negro marcou uma etapa na luta pela igualdade entre negros e brancos, mas pagou com a vida o arrojo de ser bom.

Nelson Mandela esteve 27 anos preso por agitador social porque entendia, como hoje quase todos admitimos, que os povos têm direito a ser independentes.

Liberdade para os povos e liberdade para o povo. Estes homens foram todos mal-amados na sua época; mal-amados pelos instalados, pelos poderosos, pelos senhores dos comandos, pelos reis, pelos imperadores; mas bem-amados pelos que sonharam igualmente serem iguais em direitos e garantias individuais. Bem-amados que não desapareceram após a sua morte.

Foram dos que da lei da morte estão libertados. Ficaram no sentimento dos povos por que lutaram. O sentimento é a memória amada. Há um traço comum entre eles: lutaram pela liberdade ou das suas pátrias ou das suas gentes. E por isso de mal-amados passaram a adorados. Jesus avulta grande e majestoso entre eles porque foi capaz de fazer uma doutrina religiosa do que começou por ser uma doutrina social.

Trouxe ao homem o valor da sua individualidade – por isso os coletivistas proibiram a sua doutrina – dando-lhe a dimensão de único, irrepetível e soberano em si mesmo; esta soberania do indivíduo trouxe respeito pela vida humana que não existia; o escravo, que era desprezível, fez-se irmão.

Querem maior libertação do que tornar o homem senhor de si mesmo, dono do seu destino, capaz de olhar de frente para os seus semelhantes? A escravidão doutros géneros, a económica, a ideológica, a serventia, a rácica, infelizmente subsiste. Todos os mal-amados foram grandes, porque fizeram nações ou libertaram povos, mas a obra deles não resistiu ao tempo, desmoronaram-se ainda que fossem impérios.

Pela duração da obra de Jesus se pode medir o seu alcance e grandeza, mesmo que apenas numa análise estritamente sociológica, como é o caso.


Autor: Paulo Fafe
DM

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28 janeiro 2019