Há um assinalável contraste entre a atenção que a imprensa francesa e a portuguesa prestam ao ensino e à educação. Em Portugal, ao longo do ano, por regra, as questões escolares quase só são susceptíveis de ir parar a alguma primeira página por causa de fait-divers ou de conhecidos problemas laborais, sobretudo os relativos à colocação de professores. A falta de boa informação sobre aqueles temas faz com que, frequentemente, se julgue que a principal missão da escola é tomar conta dos mais novos, cabendo às redes sociais o encargo de as instruir. Em França, o ensino é regularmente objecto de um tratamento jornalístico qualificado, que dá voz a reflexões e debates úteis sobre aquilo que, desde há muito, se tornou habitual designar por “crise da escola francesa”. Não é, pois, por falta de boas ideias que a situação, lá, fica por melhorar.
Explicando que o destino da educação das crianças merece um debate sereno e de alto nível, a revista Marianne promoveu um diálogo entre o ministro da Educação Nacional, Jean-Michel Blanquer, e o historiador e editorialista da revista, Jacques Julliard. Muitas das questões discutidas ao longo de seis páginas são assaz pertinentes, tendo Jacques Julliard sabido identificar um conjunto de problemas que também se colocam entre nós.
No início da conversa, o historiador usa uma metáfora apropriada para caracterizar a situação da escola, considerando-a “uma politraumatizada grave”, tantas são as lesões que a afectam. Umas podem ser provocadas pela progressão da iliteracia (incluindo a digital); outras, pelo modo como se formam, recrutam e remuneram os professores; outras ainda, pelas falhas no ensino básico (“o ensino básico é fundamental porque determina tudo o resto”) ou pela deficiente articulação entre o ensino secundário e o superior, em nada ajudando o facto de, lá como cá, haver um ministro para cada um dos dois níveis.
A principal desigualdade entre as crianças, segundo Jacques Julliard, diz respeito ao vocabulário. Umas dispõem de 200 ou 300 palavras; outras, oriundas de extractos sociais mais elevados, de 2000. Há, portanto, um vasto trabalho pela frente para aumentar o vocabulário sobretudo dos mais ignorantes. Há, além disso, uma dúvida: “Como fazer com que a sociedade compreenda que a criança tem necessidade de ler, de aprender de cor, de memorizar?”
O historiador identifica, durante o diálogo, um risco muito sério, o de introduzir no mundo da educação “o cavalo de Tróia dos GAFA” (um acrónimo que designa os quatro gigantes americanos do mundo digital: Google, Apple, Facebook e Amazon). Tal penetração será “catastrófica, uma vez que a escola se funda sobre a gratuitidade e sobre o facto de a educação não ser mercantilizável”. Nota Jacques Julliard que “o escândalo filosófico que representam Google e consortes é precisamente o de tornar mercantilizáveis e comercializáveis todos os valores do espírito”. É por essa razão que se impõe evitar que os GAFA sejam o cavalo de Tróia da mercantilização da escola.
Uma constatação que merece registo diz respeito à circunstância de as desejáveis reformas educativas – e, como se verá, não só – assentar na qualidade dos directores das escolas. É que Jacques Julliard verifica, a partir de exemplos concretos, que a mudança do director pode alterar completamente o ambiente, a rentabilidade e a eficácia da escola. Por esse motivo, pergunta o historiador ao ministro, não deveria ser feito um particular esforço para que os directores das escolas se transformem em verdadeiros “chefes de equipa”?
Sem boas perguntas não se podem reclamar adequadas respostas.
Autor: Eduardo Jorge Madureira Lopes
Mais duas ou três coisas sobre a escola

DM
12 novembro 2017