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Luz terna, suave, leva-me mais longe…

Rezamos no ofício de completas da quinta-feira do tempo comum: ‘Luz terna, suave, no meio da noite, leva-me mais longe… Não tenho aqui morada permanente: leva-me mais longe’.

Foi esta a sensação prática que vi retratada, depois de uma visita a uma professora aposentada de teologia e que, segundo as suas próprias palavras, está nos derradeiros momentos da sua vida em condição terrena. Ela que ensinara sobre essas questões escatológicas confessava, agora, estar prestes a ver aquilo que ensinara aos outros…

1. Percorremos mais de duzentos quilómetros, por entre trancos e barrancos, para podermos meditar na prática a vivência do ‘eschaton’ balthasariano não só da visitada como da nossa condição e conduta em tempo da história. Embora doente, a visitada estava consciente e de fina leitura da vida, mesmo que, como referiu por diversas vezes, prestes a terminar. Apesar de breves, foram intensos momentos que nos dão referência, mesmo neste tempo de Advento rumo ao Natal.

2. Deixei passar alguns dias sobre esta experiência recente para agora trazer à partilha/reflexão algo que me fez pensar ainda mais na forma como a maior parte das pessoas vai vivendo estes dias que antecedem a celebração desse encontro de Deus com a história humana pelo nascimento de Jesus, o Verbo encarnado e redentor. Mais do que rotular de futilidade a forma como uma boa parte das pessoas se preenche com coisas materiais, talvez seja de considerar o que é que ocupa e preocupa essa gente; mais do que lançar dúvidas sobre as suas razões, talvez seja útil ver as minhas razões; mais do que olhar isso de um pedestal religioso, talvez seja preferível vê-lo a partir das bases ético-morais, isto é, dos critérios e valores que são a razão profunda de ser das pessoas e dos seus comportamentos.

3. A correria às compras que necessidade preenche, a consumista-materialista ou a de índole psicológica? Se for a primeira talvez baste mudar o chip das necessidades, se for a segunda será bem mais complexo, pois demonstrará que as pessoas precisam de coisas para se afirmarem, se alimentarem e mesmo para sobreviverem. Dizia o Papa Francisco, recentemente, neste tempo de pandemia: «o consumismo, irmãos e irmãs, sequestrou o Natal. O consumismo não está na manjedoura de Belém, ali está a realidade, a pobreza, o amor... Não nos deixemos levar pelo consumismo. ‘Ah, tenho de comprar os presentes, tenho de fazer isto’, o frenesim de fazer coisas, coisas, coisas… O importante é Jesus».

4. Haverá alguma diferença palpável entre os cristãos e os que o não são, por escolha e conduta? Nota-se algum esforço e luta para contradizer as tendências dos nossos dias? Percebe-se que os cristãos – mais ou menos praticantes – atendem a estas advertências do Papa? Não andaremos mais na corrente do consumo do que na linha da contenção cristã e fraterna? Não faremos a mesma figura de culto do consumismo, quando pretendemos partilhar com quem possa precisar?

Por vezes a tendência da partilha, sobretudo nesta época do Natal, parece servir mais para esvaziar o guarda-roupa daquilo de que já não se gosta do que para abrir o coração às necessidades alheias. Roupa e mais roupa saem da circulação pela simples moda de substituir o que nos incomoda do que aquilo que devia fazer amolecer o coração para com quem possa beneficiar com o nosso esbanjamento egoísta e sedutor.

5. ‘Luz terna, suave, leva-me mais longe: basta-me um passo para a Ti chegar’. Esta súplica com que termina este hino, pode servir-nos como desejo de vivência do Natal deste ano, mais uma vez ritmado pela contenção social, pelos estados psicológicos gerados pela pandemia, aferido aos medos de contaminação e, sobretudo, acrisolado pela sensação quase-espiritual de que ainda não conseguimos discernir as verdadeiras razões de tudo quanto nos tem estado a acontecer desde há quase dois anos…

É, de facto, uma luz ténue, essa que nos guia. Deixemo-nos conduzir por ela com humildade, com carinho e em dinâmica de verdadeira conversão a Jesus, o Menino-Deus.


Autor: António Sílvio Couto
DM

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20 dezembro 2021